São Paulo, domingo, 09 de setembro de 2007

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

"Bob Dylan" do Irã protesta com o alaúde

Ao unir poesia persa a gêneros ocidentais, Mohsen Namjoo se tornou a figura mais polêmica da cena musical em Teerã

Fusão promovida por artista que teve álbuns proibidos no país retrata frustrações dos jovens, mas é vista pelos puristas como desrespeitosa

NAZILA FATHI
DO "NEW YORK TIMES", EM TEERÃ

Ele toca o "setar", ou alaúde tradicional persa, e é um mestre da literatura e poesia clássica persa. Mas os sons que tira do instrumento, acompanhando sua voz profunda e letras sutilmente cortantes que contam como é crescer num Estado islâmico, fizeram de Mohsen Namjoo a figura mais polêmica da música persa atual.
Alguns o consideram um gênio, uma espécie de Bob Dylan do Irã, e dizem que sua música satírica reflete com precisão as frustrações dos jovens iranianos. Já seus críticos dizem que sua arte zomba da música persa clássica e tradicional, já que ele constantemente a mescla com gêneros como jazz, blues e rock.
"Eu quis salvar a música persa", disse Namjoo, 31, em entrevista concedida em um de seus estúdios em Teerã. "Ela não pertence ao tempo presente e não pode satisfazer a geração mais jovem."
A fusão que Namjoo faz de música persa e ocidental gera momentos inesperados que chocam os tradicionalistas.
Mas são as letras de Namjoo, segundo seus fãs, que tornam sua música tão importante.
Namjoo canta a poesia persa antiga, como as obras do poeta místico Rumi, do século 13, ou do poeta Hafiz, do século 14, com suas conotações de amor e luxúria. Mas ele também escreve suas próprias letras nas formas tradicionais, acrescentando novos significados a elas.
"Sua música e letras expressam a situação amarga de minha geração e mostram a sociedade em que vivemos", diz a cantora Mahsa Vahdat, 33.
Desafiando a polícia cultural do país, Namjoo não foge das questões contemporâneas. "O que nos cabe é um governo apologético", ele canta em "Neo-Kanti". "O que nos cabe é uma equipe nacional perdedora."
São referências à desilusão com o governo do ex-presidente reformista Mohammad Khatami e com as constantes derrotas da seleção de futebol. "O que nos cabe, talvez, é o futuro", acrescenta, em tom de resignação.
Namjoo passou sua infância na cidade religiosa de Mashhad, no nordeste do Irã, onde começou a aprender música clássica persa aos 12 anos.
À medida que foi crescendo, conta, começou a ouvir música ocidental e a interessar-se por Jim Morrison e Eric Clapton.
Leu filosofia e literatura persa e aprendeu a apreciar um gênero de poesia persa moderna que prioriza a fonética.
É difícil avaliar a popularidade de Namjoo, já que a música sofre pressões intensas no Irã.
A maior parte da música foi proibida após a Revolução Islâmica de 1979. Apenas canções religiosas e revolucionárias passaram a ser consideradas apropriadas. Até hoje as mulheres são proibidas de cantar.
Com o tempo as restrições diminuíram, mas a repressão voltou com a eleição do atual presidente, o conservador Mahmoud Ahmadinejad, em 2005, .
Em julho, autoridades cancelaram um concerto de rock e jazz em Teerã. Em agosto, mais de 200 pessoas foram detidas em um show de rock em Karaj.
O promotor da cidade considerou a música "satânica".
O próprio Namjoo ainda não pôde fazer uma apresentação pública ao vivo, nem foi autorizado a vender seus CDs. Mas ele pode apresentar-se em sessões reservadas, seus CDs são vendidos no mercado negro e, inexplicavelmente, suas canções são tocadas nas rádios iranianas. Segundo seu empresário, até três semanas atrás 1,6 milhão de pessoas tinham ouvido sua música no YouTube.


Tradução de CLARA ALLAIN

Texto Anterior: Espionagem digital: França acusa China de invadir rede do Estado
Próximo Texto: Islâmicos são derrotados em eleições no Marrocos
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.