UOL


São Paulo, domingo, 09 de novembro de 2003

Próximo Texto | Índice

ÁSIA

Após um ano e meio de independência da Indonésia, a próxima crise já está marcada: o dia em que a ONU deixar o país

Dependente, Timor Leste tenta ser viável

Firdia Lisnawati - 22.out.2003/Associated Press
Crianças de Timor Leste observam outras sendo vacinadas em um prédio de Dili, capital do país


RICARDO BONALUME NETO
ENVIADO ESPECIAL A TIMOR LESTE

Quatro anos depois de praticamente destruído em 1999, após um período de tutela pelas Nações Unidas e com apenas um ano e meio de independência, Timor Leste ainda não pode ser considerado um país plenamente viável. Mas está lutando para isso.
É o país mais pobre da Ásia e que continua com problemas de segurança na fronteira. Depois do 11 de Setembro, Timor Leste também perdeu parte da atenção que vinha tendo da comunidade internacional. Os olhos do mundo estão agora no Oriente Médio.
Mas a independência de Timor Leste é um fato, e seus governantes estão moderadamente confiantes quanto ao futuro, pois já passaram por situações piores.
Timor tornou-se independente em 20 de maio de 2002, com a passagem do poder da ONU aos políticos eleitos. A data é descrita como a da "restauração" da independência, primeiro declarada em 28 de novembro de 1975 e logo encerrada pela invasão indonésia.
A próxima crise tem data marcada: 20 de maio de 2004, segundo aniversário da independência. Nesse dia, chega ao fim a missão da ONU no país. A economia é tão frágil que depende dos gastos do pessoal da entidade ainda presente. Timor tem vários hotéis e restaurantes, mais do que em 1999. Mas a maior parte dos clientes são estrangeiros.
A ONU chegou a ter 12 mil homens em Timor (8.000 eram militares), em 2001. Os números caíram muito. Hoje, são cerca de 3.300 militares, 500 policiais e cem funcionários civis, além de mil timorenses em várias funções. Em dezembro, a força de paz deverá cair para só 1.750 militares.
O maior problema será um hiato na entrada de recursos. O país depende muito de doações internacionais. A exploração do petróleo, grande esperança para os próximos anos, está atrasada.
"Em dois ou três anos, teremos um grande crescimento econômico, com as primeiras receitas do petróleo. Poderemos desenvolver a infra-estrutura, como estradas e pontes, e empregar milhares de timorenses", afirmou José Ramos-Horta, ministro dos Negócios Estrangeiros e da Cooperação e Prêmio Nobel da Paz em 1996.
Ele deverá vir ao Brasil em 2004 -"quero ir uma semana antes do Carnaval", brincou. "Timor Leste é muito longe, é difícil incentivar os investidores brasileiros, mas podemos ser uma ponte para a Austrália e a União Européia."
O Boletim Econômico da Autoridade Bancária e de Pagamentos de Timor Leste estima que a queda de recursos para os programas financiados pelos doadores seja "de US$ 175 milhões para US$ 55 milhões entre 2003/4 e 2005/6". Mesmo levando em conta um aumento da arrecadação, a queda de recursos será brutal: de US$ 254 milhões para US$ 105 milhões.
A importância desses recursos fica óbvia ao se notar que o PIB de Timor neste ano está estimado em US$ 344 milhões. Em 1998, sob ocupação, o PIB era de US$ 390 milhões. Os números do comércio exterior: em 2001, Timor importou US$ 260 milhões e exportou US$ 6 milhões. "Será um período difícil, como todas as fases da nossa afirmação como nação, embora de natureza diferente", disse o premiê Mari Alkatiri.
Não há como exigir "viabilidade" imediata de um país com cerca de 830 mil habitantes que foi ocupado por um invasor estrangeiro por quase um quarto de século, "fase" em que foram mortas cerca de 200 mil pessoas. Na outra "fase", quase todas as cidades foram queimadas em 1999, e a maior parte da população foi convertida em refugiados, muitos levados à força para Timor Oeste, no lado indonésio da ilha.
A Constituição timorense veta que estrangeiros tenham propriedades no país, e nisso "não pode haver modificação", disse o premiê, que promete um "pacote de leis a ser enviado ao Parlamento nas próximas semanas para facilitar o investimento estrangeiro". "Há outras formas de facilitar, como concessões por largos anos."
O país foi em grande parte reconstruído desde 1999, primeiro pela ONU e agora pelo novo governo. Há hoje um Estado, com tribunais, Parlamento, funcionalismo, polícia e Forças Armadas, ainda que com graves carências.
Apesar de liliputianas, as Forças de Defesa de Timor Leste são um claro sinal da vontade de independência. Elas integraram centenas dos ex-guerrilheiros das Forças Armadas de Libertação Nacional de Timor Leste (Falintil), braço armado da Frente Revolucionária do Timor Leste Independente (Fretilin), o partido que declarou a independência em 1975.
São hoje 1.250 homens na ativa (deveriam ser 1.500) e 1.500 na reserva, concentrados longe da fronteira, para evitar atritos com indonésios ou milícias. A fronteira e parte do interior ainda são patrulhadas por forças da ONU, além de policiais timorenses.
Seu comandante, o brigadeiro-general Taur Matan Ruak, acha importante que, após a retirada das forças de paz, a ONU mantenha ao menos uma equipe de observadores militares na fronteira, nem que seja simbólico. "Estar presente é diferente de sair e voltar", disse Ruak, para quem a situação de defesa tem de estar consolidada antes da saída da ONU.
"Havia quem não quisesse que Timor tivesse Exército, que em 24 horas interviriam em caso de necessidade. Onde estavam nos 24 anos de ocupação indonésia?"
Ainda há 28 mil timorenses "refugiados" em território indonésio. Muitos são ligados ao antigo regime -ex-servidores. E parte é das milícias que causaram a destruição de 1999. Eram 27 mil guerrilheiros no começo. Desse grupo, segundo Ruak, sobraram 85.

O jornalista Ricardo Bonalume Neto viajou por cortesia do Ministério da Defesa, a convite do Exército e a bordo de aeronave da Força Aérea Brasileira


Próximo Texto: Paulista julga processos sobre massacres de 99
Índice

UOL
Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.