UOL


São Paulo, domingo, 09 de novembro de 2003

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

JAPÃO

Premiê espera sair das urnas, hoje, com força suficiente para levar adiante projetos que desagradam à sua própria base

Koizumi usa eleição para fazer reformas

MÁRCIO SENNE DE MORAES
DA REDAÇÃO

O premiê Junichiro Koizumi busca, nas eleições legislativas de hoje, consolidar seu controle sobre a cena política do Japão por meio de uma clara vitória de seu Partido Liberal-Democrático, o que lhe daria um forte mandato popular -que considera necessário para aprovar suas tão decantadas (e controversas) reformas.
Pesquisa publicada no diário "Asahi Shimbun", na última terça-feira, mostrou que o PLD deverá manter sua maioria na Câmara Baixa da Dieta (Parlamento), podendo obter até 270 das 480 cadeiras. Atualmente, o partido tem 247 assentos. Mas, diz a mesma pesquisa, a legenda também poderá perder vagas se o comparecimento às urnas for elevado.
Mesmo assim, ao lado do Partido Novo Komeito e do Partido Novo Conservador, que integram o governo, o PLD deverá obter ao menos as 252 cadeiras necessárias para controlar as comissões parlamentares importantes, segundo especialistas ouvidos pela Folha.
Koizumi aposta tudo em seu projeto de reformas, que, aliás, já era sua bandeira de campanha em 2001, quando conquistou a presidência do PLD e se tornou premiê. Contudo alguns analistas põem em dúvida sua intenção de introduzir as mudanças mais dolorosas, como a do sistema bancário e a dos fundos de pensão.
"Koizumi tem forte aprovação popular desde 2001, mas tem apoio frágil na Dieta, mesmo entre seus colegas do PLD. Estes sempre tiraram vantagem do esquema de conchavos existente no Japão há décadas. Uma vitória clara de seu partido lhe dará força para enfrentar a velha-guarda do PLD, mas nada garante que ele venha a cumprir sua promessa de realizar reformas dolorosas", analisou Jon Mills, do Centro Ásia da Universidade Harvard (EUA).
O maior problema japonês é sua cambaleante economia, que, há mais de uma década, apresenta uma grave morosidade. O quadro agravou-se nos últimos anos, com uma insistente deflação -que não cede mesmo com taxa de juros de 0% ao ano. Os preços caíram 7,6% desde 1997, de acordo com a revista "The Economist".
"A falta de liderança política tem relação com o fracasso do Japão no que concerne a sair da estagnação econômica. E um ataque mais claro aos problemas do sistema bancário teria sido benéfico", analisou Tadashi Anno, da Universidade Sophia, de Tóquio.
Koizumi vem prometendo mudar a situação desde que assumiu, mas ainda não pôde introduzir a parte central das reformas -privatização das rodovias, corte de gastos com obras, redução dos subsídios agrícolas e liquidação de créditos duvidosos dos bancos.
Ocorre que, para tanto, ele precisa do apoio de seus colegas parlamentares, sobretudo dos de seu partido. "O PLD se eternizou no poder porque mantém uma intrincada rede de distribuição de benefícios a agricultores e a pequenos comerciantes das zonas urbanas. No entanto, ao lado dos problemas do sistema bancário, esse esquema engessa a economia", avaliou Mills.
"Se realmente quiser alterar essa situação, Koizumi terá de enfrentar os caciques do PLD, que bloqueiam suas reformas. Ele vem buscando fazer isso, porém trata-se de algo muito complexo."

Perda de confiança
Ao lado da perda de confiança dos investidores, que se traduz em quedas na Bolsa de Tóquio, há uma diminuição da confiança dos cidadãos japoneses. Sem vislumbrar uma saída para a crise, eles pouco consomem e preferem poupar para um futuro incerto. A taxa de poupança japonesa é uma das mais elevadas do planeta.
A estagnação japonesa foi alvo de vários estudos, mas isso não trouxe nenhuma solução milagrosa. Como disse Robert Immerman, especialista em questões japonesas da Universidade Columbia (EUA), o país não soube fazer a transição que resultou num boom do setor de serviços em boa parte dos países desenvolvidos.
O que eram seus principais trunfos dos anos 60 até o final dos 80, fase em que a indústria japonesa chegou a ameaçar a hegemonia da americana, tornou-se um ponto fraco. Estruturas de comando "pesadas" facilitam a concepção do planejamento estratégico de um enorme conglomerado (keiretsu), porém são ineficazes no mundo moderno da tecnologia da informação, que demanda agilidade e flexibilidade.
A máquina produtiva japonesa continua a gerar riquezas -é a segunda potência econômica do mundo. Mas ela tem dificuldade em reorientar-se para enfrentar a competição internacional e exerce pouca influência positiva sobre o cambaleante sistema financeiro.
Não se trata, portanto, do fim da "potência nipônica", mas da morte de um sistema político-econômico: o modelo, que floresceu até o início da década passada apesar da corrupção e do paternalismo partidário, perdeu o fôlego.
O Japão possui as forças necessárias para voltar a ter dinamismo econômico no que se refere à educação de sua população, à tecnologia de ponta e à riqueza acumulada. Todavia essas forças são estranguladas por um sistema de poder e de tomada de decisões incapaz de administrar a transição.
Koizumi, cuja principal vitória até agora foi fazer com que os japoneses se interessassem pela política do país, promete atacar as causas da crise. Mas precisará conquistar apoio dentro de seu próprio partido, o que não será fácil, visto o teor de suas reformas.
A oposição, por sua vez, luta para parecer diferente do establishment político. Ao menos no que diz respeito a seu manifesto de campanha -outra novidade no Japão-, contudo, suas propostas são bastante similares às de Koizumi. "A oposição precisa mostrar que tem um projeto e que não quer apenas bloquear as iniciativas governamentais", disse Mills.
Mesmo assim, cansados da gerontocracia do PLD (apesar de Koizumi ter "vendido" a idéia de que o partido agora é "reformista"), os 40% ainda indecisos poderão dar um voto de confiança ao Partido Democrático do Japão, a maior formação oposicionista.



Texto Anterior: Oriente Médio: Palestinos fazem acordo para formar governo
Próximo Texto: Sistema bancário é o ponto fraco da economia
Índice


UOL
Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.