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São Paulo, domingo, 09 de novembro de 2003

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EUA

Americanos sem religião iniciam movimento para defender direitos que dizem estar ameaçados pela onda conservadora

Ateus se unem para "sair do armário"

JOÃO BATISTA NATALI
DA REPORTAGEM LOCAL

Os Estados Unidos têm 290 milhões de habitantes. Ao menos 27 milhões declaram não ter religião. Mas essa sólida minoria dificilmente toma a decisão de "sair do armário" para discutir em público suas convicções.
Mantém-se discreta em razão do sentimento dominante de forte religiosidade. Um exemplo: nenhum dos 50 governadores, cem senadores ou 435 deputados cometeria o suicídio eleitoral de, se fosse o caso, assumir-se publicamente como agnóstico ou ateu.
A novidade é que há cinco meses esse grupo disperso começou a se articular pela internet. Montou uma rede, horizontalizada, sem chefias ou ortodoxia fixada em manifesto. Lançou um site (www.the-brights.net).
Paul Geisert, 72, professor aposentado de biologia na Universidade de Wyoming, é co-fundador do movimento com sua mulher, Mynga Futrell, 59. Seguiram o exemplo dos homossexuais, que, a partir dos anos 80, ganharam respeitabilidade e identidade coletiva ao se autodenominarem "gays" (alegres, felizes).

Sai ateu, entra "bright"
Em lugar de se definirem como "godless" (sem-Deus), ateus ou agnósticos, expressões de raiz negativa, tentam designar o grupo com a palavra "bright" (inteligente, brilhante), usada apenas como substantivo e não para adjetivar.
A iniciativa aparentemente responde a uma demanda reprimida no mundo americano das idéias. No começo de julho, o "New York Times" publicava o primeiro longo ensaio de um bright, no caso o filósofo Daniel Dennett, professor da Universidade Tuffs, de Boston, em ciências cognitivas e inteligência artificial.
Ele propunha em seu texto a unificação de pessoas dispersas para a defesa de direitos que estão na raiz da própria história norte-americana. Entre eles, a separação entre igreja e Estado, a seu ver ameaçada pelo integrismo cristão professado pelo círculo que gravita em torno de George W. Bush.
São brights cerca de 60% dos cientistas do país e 93% dos integrantes de sua Academia Nacional de Ciências. Teriam convicções para fazer parte do grupo o cineasta Woody Allen, o dramaturgo Arthur Miller, os ensaístas Gore Vidal e Noam Chomsky, o empresário Bill Gates e estrelas como Jodie Foster, Jack Nicholson e Angelina Jolie.
Detalhe importante: nenhum desses nomes vestiu a roupa do militante agnóstico. Não fazem proselitismo porque, reconhecem os brights, seria por enquanto dar murro em ponta de faca.
Paul Geisert disse à Folha não haver propriamente repressão contra os que enxergam Deus como um fenômeno cultural, acreditam no evolucionismo de Charles Darwin e não na versão bíblica do surgimento do ser humano. "O que há é um clima de hipocrisia, pelo qual um racionalista e agnóstico não é eleito nem para a Associação de Pais e Mestres de uma escola secundária, muito menos para uma cadeira do Congresso."
A maneira teológica com que o presidente Bush interpreta o que ocorre no planeta ("bem contra o mal") funcionou, segundo Geisert, como um estímulo para que muitos assumissem de modo aberto o materialismo até agora professado como questão de foro íntimo. Eles não querem ser confundidos com as crenças mais simplistas de um político que cita Deus e a Bíblia com frequência em seus discursos e que teria até afirmado a alguns interlocutores que acredita ocupar a Presidência para cumprir uma missão divina.
Há na recente história norte-americana um grupo chamado American Atheist (ateu americano), criado em 1963 e que jamais cresceu. Tinha e tem como objetivo convencer os americanos da inexistência de Deus.
Os brights não querem trilhar o mesmo caminho. Têm aliás, segundo Geisert, alguns cristãos "racionalistas" entre suas primeiras adesões. O que os diferencia dos religiosos é a crença no primado da ciência e da razão.



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