São Paulo, quinta-feira, 09 de novembro de 2006

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ARTIGO

Hora do troco

DAVID CORN
DA "NATION"

Não há como distorcer os resultados desta eleição. Eles mostram repúdio a George W. Bush, seu partido, sua agenda política e sua guerra. O comandante-em-chefe argumenta que a guerra travada no Iraque é essencial para a sobrevivência dos Estados Unidos. O eleitorado mandou uma mensagem clara: isso não cola.
O gênio político Karl Rove e o cacique republicano Ken Mehlman, com suas táticas agressivas e seus comerciais de campanha desleais, não conseguiram desafiar o sentimento popular. A revanche era a ordem do dia. Se você é um presidente que conduz seu país à guerra sob falsos pretextos e depois comanda a guerra com incompetência, é possível que consiga se reeleger, mas o resultado será a ruína de seu partido. A realidade que Bush impôs aos Estados Unidos foi muito mais poderosa do que a retórica de Rove. Os eleitores optaram por mudar de rumo.
Os democratas conquistaram o controle da Câmara e estão bem perto de tomar o controle do Senado. Mas mesmo que os dois partidos dividam a Casa, agora será possível para os democratas oferecer uma plataforma legislativa própria.
Em uma festa em um hotel perto do Capitólio à qual compareceram milhares de democratas, muitos dos quais usando dísticos que diziam "um novo rumo para os Estados Unidos"-, um importante assessor democrata na Câmara disse que "recebemos instruções da liderança para evitar zombarias contra os adversários derrotados. Aqueles de nós que viveram a eleição de 1994 ainda se lembram dos ataques republicanos, de muita gente dizendo que deveríamos ir embora, que não seríamos mais necessários. Fomos instruídos a adotar comportamento diferente".
Mas é certamente verdade que os democratas da Câmara assumiram o poder de maneira ligeiramente menos triunfante do que os republicanos durante a chamada "revolução republicana" de 1994. Ainda que os democratas tivessem uma plataforma partidária de campanha, sabem que a eleição foi um referendo sobre Bush e a aprovação automática dos republicanos às ações do presidente, e não sobre suas propostas legislativas. Como proclamou o senador Chuck Schumer, presidente do Comitê de Campanha Democrata ao Senado, "a mensagem dessa eleição se resume a uma palavra: mudança". Ou seja, expulsar os correligionários de Bush do poder. Para isso, os eleitores tinham de votar nos democratas.
Os eleitores "relutantemente nos entregaram as chaves", disse Terry McAuliffe, ex-presidente do Partido Democrata. E assim, acrescentou, os democratas terão de provar sua competência e rápido. Como podem fazê-lo? Aprovando rapidamente projetos de lei sobre questões que atraem apoio popular, como a elevação do salário mínimo, o aumento das verbas de segurança, o corte dos juros sobre o crédito educativo, a concessão de poderes ao governo federal para que negocie com as companhias farmacêuticas a aquisição a preços mais baixos de medicamentos para o programa federal de assistência médica. Mesmo que esses projetos de lei sejam bloqueados por um Senado sob maioria republicana ou vetados por Bush, os democratas poderão determinar o curso da próxima eleição presidencial. (Outra importante vitória, em uma noite triunfal para os democratas, foi a eleição do deputado Ted Strickland como governador do Ohio. "Não se pode conquistar a presidência sem o Ohio", apontou McAuliffe.
Com um democrata à frente do governo estadual, os democratas estarão em vantagem lá). Quanto aos republicanos, o resultado da eleição deflagrará as fúrias no seio do partido. Ao atribuir responsabilidades pela derrota, eles se verão forçados a confrontar seus conflitos internos. Os conservadores sociais encararão os libertários que dão primazia à economia. O partido também pode passar por outra cisão: entre os que manterão a lealdade a Bush e os que preferirão abandoná-lo. O processo pode se tornar muito acrimonioso, sobretudo tendo em vista a influência do pleito de 2008 na questão de distribuição da culpa. Os republicanos talvez terminem parecidos com os democratas.
Mas o resumo da situação é claro: a presidência de Bush acabou, pelo menos da maneira como o presidente e seu vice, Dick Cheney, a planejaram. Não poderão mais agir de maneira imperiosa. Perderam o apoio do público. E agora existe uma oposição que poderá verificar e fiscalizar suas ações, no país e no exterior. Mas os democratas ainda precisam concluir a transação. Na festa da vitória, a deputada Nancy Pelosi, que assumirá a presidência da Câmara, declarou que "precisamos de um novo rumo no Iraque". Ela não disse que rumo seria. A vitória democrata, por doce que tenha sido para o partido, é um trabalho inacabado.


DAVID CORN é editor da revista "The Nation", em Washington
Tradução de PAULO MIGLIACCI


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