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ARTIGO
Hora do troco
DAVID CORN
DA "NATION"
Não há como distorcer os resultados desta eleição. Eles
mostram repúdio a George W.
Bush, seu partido, sua agenda
política e sua guerra. O comandante-em-chefe argumenta
que a guerra travada no Iraque
é essencial para a sobrevivência
dos Estados Unidos. O eleitorado mandou uma mensagem
clara: isso não cola.
O gênio político Karl Rove e o
cacique republicano Ken Mehlman, com suas táticas agressivas e seus comerciais de campanha desleais, não conseguiram desafiar o sentimento popular. A revanche era a ordem
do dia. Se você é um presidente
que conduz seu país à guerra
sob falsos pretextos e depois
comanda a guerra com incompetência, é possível que consiga
se reeleger, mas o resultado será a ruína de seu partido. A realidade que Bush impôs aos Estados Unidos foi muito mais
poderosa do que a retórica de
Rove. Os eleitores optaram por
mudar de rumo.
Os democratas conquistaram o controle da Câmara e estão bem perto de tomar o controle do Senado. Mas mesmo
que os dois partidos dividam a
Casa, agora será possível para
os democratas oferecer uma
plataforma legislativa própria.
Em uma festa em um hotel
perto do Capitólio à qual compareceram milhares de democratas, muitos dos quais usando dísticos que diziam "um novo rumo para os Estados Unidos"-, um importante assessor
democrata na Câmara disse
que "recebemos instruções da
liderança para evitar zombarias contra os adversários derrotados. Aqueles de nós que viveram a eleição de 1994 ainda
se lembram dos ataques republicanos, de muita gente dizendo que deveríamos ir embora,
que não seríamos mais necessários. Fomos instruídos a adotar comportamento diferente".
Mas é certamente verdade
que os democratas da Câmara
assumiram o poder de maneira
ligeiramente menos triunfante
do que os republicanos durante
a chamada "revolução republicana" de 1994. Ainda que os democratas tivessem uma plataforma partidária de campanha,
sabem que a eleição foi um referendo sobre Bush e a aprovação automática dos republicanos às ações do presidente, e
não sobre suas propostas legislativas. Como proclamou o senador Chuck Schumer, presidente do Comitê de Campanha
Democrata ao Senado, "a mensagem dessa eleição se resume
a uma palavra: mudança". Ou
seja, expulsar os correligionários de Bush do poder. Para isso, os eleitores tinham de votar
nos democratas.
Os eleitores "relutantemente
nos entregaram as chaves", disse Terry McAuliffe, ex-presidente do Partido Democrata. E
assim, acrescentou, os democratas terão de provar sua competência e rápido. Como podem fazê-lo? Aprovando rapidamente projetos de lei sobre
questões que atraem apoio popular, como a elevação do salário mínimo, o aumento das verbas de segurança, o corte dos
juros sobre o crédito educativo,
a concessão de poderes ao governo federal para que negocie
com as companhias farmacêuticas a aquisição a preços mais
baixos de medicamentos para o
programa federal de assistência médica. Mesmo que esses
projetos de lei sejam bloqueados por um Senado sob maioria
republicana ou vetados por
Bush, os democratas poderão
determinar o curso da próxima
eleição presidencial. (Outra
importante vitória, em uma
noite triunfal para os democratas, foi a eleição do deputado
Ted Strickland como governador do Ohio. "Não se pode conquistar a presidência sem o
Ohio", apontou McAuliffe.
Com um democrata à frente do
governo estadual, os democratas estarão em vantagem lá).
Quanto aos republicanos, o
resultado da eleição deflagrará
as fúrias no seio do partido. Ao
atribuir responsabilidades pela
derrota, eles se verão forçados a
confrontar seus conflitos internos. Os conservadores sociais
encararão os libertários que
dão primazia à economia. O
partido também pode passar
por outra cisão: entre os que
manterão a lealdade a Bush e os
que preferirão abandoná-lo. O
processo pode se tornar muito
acrimonioso, sobretudo tendo
em vista a influência do pleito
de 2008 na questão de distribuição da culpa. Os republicanos talvez terminem parecidos
com os democratas.
Mas o resumo da situação é
claro: a presidência de Bush
acabou, pelo menos da maneira
como o presidente e seu vice,
Dick Cheney, a planejaram.
Não poderão mais agir de maneira imperiosa. Perderam o
apoio do público. E agora existe
uma oposição que poderá verificar e fiscalizar suas ações, no
país e no exterior. Mas os democratas ainda precisam concluir a transação. Na festa da vitória, a deputada Nancy Pelosi,
que assumirá a presidência da
Câmara, declarou que "precisamos de um novo rumo no Iraque". Ela não disse que rumo
seria. A vitória democrata, por
doce que tenha sido para o partido, é um trabalho inacabado.
DAVID CORN é editor da revista "The Nation",
em Washington
Tradução de PAULO MIGLIACCI
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