São Paulo, domingo, 09 de dezembro de 2007

Próximo Texto | Índice

Reserva civil chavista já reúne 200 mil armados

Contingente de reservistas do Exército é maior do que o das forças regulares

Treinamento militar, que inclui formação na "ideologia bolivariana", visa resistir a qualquer agressão externa ou interna

LAURA CAPRIGLIONE
ENVIADA ESPECIAL A CARACAS
MARLENE BERGAMO
REPÓRTER-FOTOGRÁFICA

Sob o manto respeitado do Exército venezuelano, o presidente Hugo Chávez Frías vem treinando um número crescente de civis para o que chama de "defesa nacional". Hoje, são mais de 200 mil voluntários, pertencentes à reserva do Exército, que recebem treinamento militar semanal, no qual, uniformizados, aprendem a manusear fuzis Kalashnikov, recebem noções de tática e estratégia militar e rudimentos de formação política e ideológica, a "ideologia bolivariana".
Segundo o site da própria instituição, a missão da reserva, da forma como se constituiu a partir de 2005, é "preparar e manter o povo organizado para a condução de operações de resistência local ante qualquer agressão interna ou externa". Os reservistas já constituem um contingente maior do que o das forças regulares -150 mil homens e mulheres (a inclusão de mulheres nas Forças Armadas foi uma inovação da Constituição de 1999).
Até 2005, a reserva venezuelana era quase figurativa, como a do Brasil. Agora armada, treinada e crescendo em número e importância, é terreno fértil para a ação de revolucionários de vários matizes ideológicos.
Um deles é Carlos Betancourt, 70, professor de formação política e de ideologia da UBC -Universidade Bolivariana de Caracas-, a universidade "roja, rojita" (vermelha, vermelhinha) de Chávez, exato reverso da UCV -Universidade Central de Venezuela-, berço do movimento estudantil que contagiou a Venezuela ao votar contra a reforma constitucional de Chávez.

Levante em 1992
Ex-estudante de economia na UCV, ex-guerrilheiro, integrante das Forças Armadas de Libertação Nacional (Faln) nos anos 60, ex-preso político no Quartel San Carlos, entre 1972 e 1973, Betancourt participou do levante militar de 1992, que visou à derrubada do ex-presidente Carlos Andrés Pérez, o evento político do qual surgiu Chávez como líder nacional.
Hoje, Betancourt atua para construir uma corrente revolucionária no Exército. Para isso, dá aulas de teoria marxista (entre os seus livros-base, "O Estado e a Revolução", de Lênin, e "A Revolução Permanente", de Trótski, ambos dirigentes da Revolução Russa de 1917).
Nas aulas ministradas a oficiais, tenentes, sargentos, capitães e comandantes da reserva (são duas aulas semanais de três horas), ensinam-se "O conceito de Estado e de Nação", "O que é soberania", "O que é socialismo", "Caracterização de Revolução Democrática".
O trabalho de formação militar e política é acompanhado pela assim chamada "práxis revolucionária" -intervenções práticas na realidade venezuelana, a partir do "Conselho Comunais", base do "poder popular" que Chávez pretende construir, inspirado nos sovietes.

Mudança no perfil
Segundo o capitão Eliézer Otaiza Castillo, 42, homem de confiança do presidente, a ascensão de Chávez ao poder implicou uma mudança profunda no perfil das Forças Armadas. Fraturada, a instituição chegou a um impasse quando parte do Exército tentou apear do poder, à força, o presidente Chávez, eleito em 1998.
Grande parte dos generais e do alto comando tendo estado comprometida com a tentativa de golpe, Chávez substituiu-os por quadros militares médios.
Otaiza hoje é o superpoderoso diretor-geral do sensível Setor Nacional de Contratações, ao qual cabe auditar 130 mil contratos firmados entre o governo e prestadores de serviço. "Eu sou a inteligência", diz ele.
Único sobrevivente de um grupo de 45 soldados membros do MBR-200 (Movimento Bolivariano Revolucionário) que, em 1992, tentou tomar de assalto o palácio de Miraflores (sede do Executivo), Otaiza levou três tiros de uma rajada de metralhadora. Um atingiu-lhe a artéria femural, outro, o cóccix e outro, a panturrilha. Três paradas cardíacas e quatro respiratórias depois, sobreviveu.
O capitão também acumula as funções de professor na Escola de Guerra das Forças Armadas, responsável pela formação ideológica da tropa.
Escritor prolífico, Otaiza faz o doutorado em Ciência Política na UCV, a cujas aulas assiste "sempre armado" (lembre-se de que a UCV é foco da oposição). Segundo ele, as forças armadas hoje, enfim, são republicanas. "Não são nem de direita nem de esquerda. São apenas o Exército Libertador com que Simón Bolívar sonhou", diz. "Representam o povo venezuelano, como há muito não ocorria. Até Chávez, todos os generais eram formados nas escolas militares americanas. É a isso que se chama de nação? Certamente que não."

Próximo Texto: Guerrilha renasce à sombra de Chávez
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.