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Reserva civil chavista já reúne 200 mil armados
Contingente de reservistas do Exército é maior do que o das forças regulares
Treinamento militar, que inclui formação na "ideologia bolivariana", visa resistir a qualquer agressão externa ou interna
LAURA CAPRIGLIONE
ENVIADA ESPECIAL A CARACAS
MARLENE BERGAMO
REPÓRTER-FOTOGRÁFICA
Sob o manto respeitado do
Exército venezuelano, o presidente Hugo Chávez Frías vem
treinando um número crescente de civis para o que chama de
"defesa nacional". Hoje, são
mais de 200 mil voluntários,
pertencentes à reserva do
Exército, que recebem treinamento militar semanal, no
qual, uniformizados, aprendem
a manusear fuzis Kalashnikov,
recebem noções de tática e estratégia militar e rudimentos
de formação política e ideológica, a "ideologia bolivariana".
Segundo o site da própria
instituição, a missão da reserva,
da forma como se constituiu a
partir de 2005, é "preparar e
manter o povo organizado para
a condução de operações de resistência local ante qualquer
agressão interna ou externa".
Os reservistas já constituem
um contingente maior do que o
das forças regulares -150 mil
homens e mulheres (a inclusão
de mulheres nas Forças Armadas foi uma inovação da Constituição de 1999).
Até 2005, a reserva venezuelana era quase figurativa, como
a do Brasil. Agora armada, treinada e crescendo em número e
importância, é terreno fértil
para a ação de revolucionários
de vários matizes ideológicos.
Um deles é Carlos Betancourt, 70, professor de formação política e de ideologia da
UBC -Universidade Bolivariana de Caracas-, a universidade
"roja, rojita" (vermelha, vermelhinha) de Chávez, exato reverso da UCV -Universidade Central de Venezuela-, berço do
movimento estudantil que contagiou a Venezuela ao votar
contra a reforma constitucional de Chávez.
Levante em 1992
Ex-estudante de economia
na UCV, ex-guerrilheiro, integrante das Forças Armadas de
Libertação Nacional (Faln) nos
anos 60, ex-preso político no
Quartel San Carlos, entre 1972
e 1973, Betancourt participou
do levante militar de 1992, que
visou à derrubada do ex-presidente Carlos Andrés Pérez, o
evento político do qual surgiu
Chávez como líder nacional.
Hoje, Betancourt atua para
construir uma corrente revolucionária no Exército. Para isso,
dá aulas de teoria marxista (entre os seus livros-base, "O Estado e a Revolução", de Lênin, e
"A Revolução Permanente", de
Trótski, ambos dirigentes da
Revolução Russa de 1917).
Nas aulas ministradas a oficiais, tenentes, sargentos, capitães e comandantes da reserva
(são duas aulas semanais de
três horas), ensinam-se "O conceito de Estado e de Nação", "O
que é soberania", "O que é socialismo", "Caracterização de
Revolução Democrática".
O trabalho de formação militar e política é acompanhado
pela assim chamada "práxis revolucionária" -intervenções
práticas na realidade venezuelana, a partir do "Conselho Comunais", base do "poder popular" que Chávez pretende construir, inspirado nos sovietes.
Mudança no perfil
Segundo o capitão Eliézer
Otaiza Castillo, 42, homem de
confiança do presidente, a ascensão de Chávez ao poder implicou uma mudança profunda
no perfil das Forças Armadas.
Fraturada, a instituição chegou
a um impasse quando parte do
Exército tentou apear do poder, à força, o presidente Chávez, eleito em 1998.
Grande parte dos generais e
do alto comando tendo estado
comprometida com a tentativa
de golpe, Chávez substituiu-os
por quadros militares médios.
Otaiza hoje é o superpoderoso diretor-geral do sensível Setor Nacional de Contratações,
ao qual cabe auditar 130 mil
contratos firmados entre o governo e prestadores de serviço.
"Eu sou a inteligência", diz ele.
Único sobrevivente de um
grupo de 45 soldados membros
do MBR-200 (Movimento Bolivariano Revolucionário) que,
em 1992, tentou tomar de assalto o palácio de Miraflores
(sede do Executivo), Otaiza levou três tiros de uma rajada de
metralhadora. Um atingiu-lhe
a artéria femural, outro, o cóccix e outro, a panturrilha. Três
paradas cardíacas e quatro respiratórias depois, sobreviveu.
O capitão também acumula
as funções de professor na Escola de Guerra das Forças Armadas, responsável pela formação ideológica da tropa.
Escritor prolífico, Otaiza faz
o doutorado em Ciência Política na UCV, a cujas aulas assiste
"sempre armado" (lembre-se
de que a UCV é foco da oposição). Segundo ele, as forças armadas hoje, enfim, são republicanas. "Não são nem de direita
nem de esquerda. São apenas o
Exército Libertador com que
Simón Bolívar sonhou", diz.
"Representam o povo venezuelano, como há muito não ocorria. Até Chávez, todos os generais eram formados nas escolas
militares americanas. É a isso
que se chama de nação? Certamente que não."
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