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Guerrilha renasce à sombra de Chávez
Marlene Bergamo/Folha Imagem
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Militantes tupamaros, que atuaram clandestinamente até o governo Chávez; Oswaldo Kanica (de cabelo e bigode brancos) é líder |
Inspirados em grupo armado uruguaio dos anos de chumbo no Cone Sul, tupamaros têm base em favela de Caracas
Movimento hoje privilegia organização política, mas treina com armas; "sim" à reforma da Carta venceu por ampla margem na área
DA ENVIADA ESPECIAL A CARACAS
REPÓRTER-FOTOGRÁFICA
O 23 de Janeiro é uma favela
com 482 mil habitantes na zona oeste de Caracas, mais precisamente, atrás do palácio presidencial de Miraflores. Tem lixo
espalhado pelas ruas, muito,
muito narcotráfico -cocaína e
derivados, mais maconha. O
crack é vendido a 12 mil bolívares ou R$ 6 por uma pedra do
tamanho de um grão de arroz. É
lá que fica o colégio onde Hugo
Chávez vota.
Também é nessa Rocinha,
para efeito de comparação, que
o presidente venezuelano conquistou uma das maiores vantagens dentre todas as zonas
eleitorais da capital venezuelana -60% contra 40% da oposição. O 23 de janeiro é conhecido como "território tupamaro".
Lugar de guerrilha urbana. Táxis têm receio de entrar lá.
Os tupamaros dizem ter 147
mil filiados na Venezuela. Estão armados, são guerrilheiros,
marxistas, leninistas, guevaristas. Rendem homenagens a
quase todos os heróis da esquerda latino-americana, a começar do nome do grupo.
Esquartejado
"Tupamaro" vem de Túpac
Amaru, cacique herdeiro dos
incas que, com 10 mil índios,
enfrentou o poder colonial espanhol no final do século 18.
Preso, foi torturado e esquartejado com seus membros amarrados a quatro cavalos. A mulher e o filho mais velho foram
assassinados diante dele. Duas
gerações exterminadas, e virou
ícone da rebelião bem antes de
Che Guevara.
Nos anos 60/70, um grupo de
guerrilha urbana no Uruguai
tomou-lhe o nome. Surgiram
os tupamaros, ou "tupas". A ditadura vigente no país fez com
que vários se exilassem na Venezuela. Em Caracas, exatamente no bairro 23 de Janeiro,
os tupamaros, agora "bolivarizados", renasceram em 1984.
"Somos força auxiliar do presidente Chávez", diz um tupamaro no 23 de Janeiro. Eles fazem treinamento militar nas
imediações de Caracas. Mais:
dizem que o presidente Chávez
tem ciência dessa atividade.
Mil de cada vez, praticam táticas de guerrilha, inspiradas
nas usadas no Vietnã durante a
guerra americana (1964-1975).
Também contam com uma força motorizada -divisão com
motocicletas para movimentação rápida. Só no 23 de Janeiro
são mais de 500 motocicletas a
postos para esse fim.
Os tupamaros eram uma organização clandestina no Uruguai e na Venezuela. Com a ascensão de Chávez, legalizaram-se. Preferem, entretanto, manter-se infiltrados no PSUV
(Partido Socialista Unido da
Venezuela, o partido que Chávez fundou neste ano).
Contra o tráfico
Hoje, dizem que dão bem
menos ênfase às táticas de
guerrilha, já que o centro de sua
ação, agora, é construir um
PSUV revolucionário e de massas. O presidente nacional da
organização na Venezuela, Oswaldo Kanica, é um homem alto, forte em seus quase 60 anos,
olheiras profundas e modos
gentis. Segundo ele, a principal
força dos tupamaros são as armas ideológicas.
No 23 de Janeiro, contudo,
Marco Rincones, 47, encanador, eletricista, pedreiro, professor de defesa pessoal e coordenador tupamaro em Catia,
bairro pobre vizinho, explica
que seu grupo político ganhou
força pelo enfrentamento armado com o narcotráfico. "Eles
querem corromper os pobres.
Mas não deixamos."
Os tupamaros mantêm uma
relação cordial com outros grupos de esquerda revolucionária
enraizados no 23 de Janeiro. O
Coletivo Alexis Vive, cujo nome
rende homenagem a Alexis
González Revetti, morto na
tentativa de golpe em 2002
contra Chávez, usa calças de
corte guerrilheiro, cheias de
bolsos, negras. Também milita
por lá a Frente Revolucionária
de La Pedrita.
Nas ruas, vêem-se grafites
com Cristo na Última Ceia. É
comum retratar-se Jesus
acompanhado por Fidel, Che,
Mao, Bolívar, Marx, Lênin e
Francisco de Miranda. Ou Che
em preto e vermelho.
Os tupamaros não dizem de
quem compram as armas que
usam nos bairros populares e
em seu treinamento. Mas na
declaração programática que
emitiram em janeiro deste ano,
dizem que o objetivo de sua organização é "a construção de
uma força militar independente, as milícias revolucionárias,
destacamentos armados como
expressão de uma linha militar
de massas".
"Não podemos ficar na expectativa de que o Exército e as Forças Armadas comportem-se como aliados do povo. E se eles
atuam como na tentativa de golpe de 2002, quando foram gendarmes da burguesia? Precisamos de forças de contingência.
Precisamos nos proteger", diz
um guerrilheiro. (MB e LC)
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