São Paulo, domingo, 09 de dezembro de 2007

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Guerrilha renasce à sombra de Chávez

Marlene Bergamo/Folha Imagem
Militantes tupamaros, que atuaram clandestinamente até o governo Chávez; Oswaldo Kanica (de cabelo e bigode brancos) é líder


Inspirados em grupo armado uruguaio dos anos de chumbo no Cone Sul, tupamaros têm base em favela de Caracas

Movimento hoje privilegia organização política, mas treina com armas; "sim" à reforma da Carta venceu por ampla margem na área

DA ENVIADA ESPECIAL A CARACAS
REPÓRTER-FOTOGRÁFICA

O 23 de Janeiro é uma favela com 482 mil habitantes na zona oeste de Caracas, mais precisamente, atrás do palácio presidencial de Miraflores. Tem lixo espalhado pelas ruas, muito, muito narcotráfico -cocaína e derivados, mais maconha. O crack é vendido a 12 mil bolívares ou R$ 6 por uma pedra do tamanho de um grão de arroz. É lá que fica o colégio onde Hugo Chávez vota.
Também é nessa Rocinha, para efeito de comparação, que o presidente venezuelano conquistou uma das maiores vantagens dentre todas as zonas eleitorais da capital venezuelana -60% contra 40% da oposição. O 23 de janeiro é conhecido como "território tupamaro". Lugar de guerrilha urbana. Táxis têm receio de entrar lá.
Os tupamaros dizem ter 147 mil filiados na Venezuela. Estão armados, são guerrilheiros, marxistas, leninistas, guevaristas. Rendem homenagens a quase todos os heróis da esquerda latino-americana, a começar do nome do grupo.

Esquartejado
"Tupamaro" vem de Túpac Amaru, cacique herdeiro dos incas que, com 10 mil índios, enfrentou o poder colonial espanhol no final do século 18. Preso, foi torturado e esquartejado com seus membros amarrados a quatro cavalos. A mulher e o filho mais velho foram assassinados diante dele. Duas gerações exterminadas, e virou ícone da rebelião bem antes de Che Guevara.
Nos anos 60/70, um grupo de guerrilha urbana no Uruguai tomou-lhe o nome. Surgiram os tupamaros, ou "tupas". A ditadura vigente no país fez com que vários se exilassem na Venezuela. Em Caracas, exatamente no bairro 23 de Janeiro, os tupamaros, agora "bolivarizados", renasceram em 1984.
"Somos força auxiliar do presidente Chávez", diz um tupamaro no 23 de Janeiro. Eles fazem treinamento militar nas imediações de Caracas. Mais: dizem que o presidente Chávez tem ciência dessa atividade.
Mil de cada vez, praticam táticas de guerrilha, inspiradas nas usadas no Vietnã durante a guerra americana (1964-1975). Também contam com uma força motorizada -divisão com motocicletas para movimentação rápida. Só no 23 de Janeiro são mais de 500 motocicletas a postos para esse fim.
Os tupamaros eram uma organização clandestina no Uruguai e na Venezuela. Com a ascensão de Chávez, legalizaram-se. Preferem, entretanto, manter-se infiltrados no PSUV (Partido Socialista Unido da Venezuela, o partido que Chávez fundou neste ano).

Contra o tráfico
Hoje, dizem que dão bem menos ênfase às táticas de guerrilha, já que o centro de sua ação, agora, é construir um PSUV revolucionário e de massas. O presidente nacional da organização na Venezuela, Oswaldo Kanica, é um homem alto, forte em seus quase 60 anos, olheiras profundas e modos gentis. Segundo ele, a principal força dos tupamaros são as armas ideológicas.
No 23 de Janeiro, contudo, Marco Rincones, 47, encanador, eletricista, pedreiro, professor de defesa pessoal e coordenador tupamaro em Catia, bairro pobre vizinho, explica que seu grupo político ganhou força pelo enfrentamento armado com o narcotráfico. "Eles querem corromper os pobres. Mas não deixamos."
Os tupamaros mantêm uma relação cordial com outros grupos de esquerda revolucionária enraizados no 23 de Janeiro. O Coletivo Alexis Vive, cujo nome rende homenagem a Alexis González Revetti, morto na tentativa de golpe em 2002 contra Chávez, usa calças de corte guerrilheiro, cheias de bolsos, negras. Também milita por lá a Frente Revolucionária de La Pedrita.
Nas ruas, vêem-se grafites com Cristo na Última Ceia. É comum retratar-se Jesus acompanhado por Fidel, Che, Mao, Bolívar, Marx, Lênin e Francisco de Miranda. Ou Che em preto e vermelho.
Os tupamaros não dizem de quem compram as armas que usam nos bairros populares e em seu treinamento. Mas na declaração programática que emitiram em janeiro deste ano, dizem que o objetivo de sua organização é "a construção de uma força militar independente, as milícias revolucionárias, destacamentos armados como expressão de uma linha militar de massas".
"Não podemos ficar na expectativa de que o Exército e as Forças Armadas comportem-se como aliados do povo. E se eles atuam como na tentativa de golpe de 2002, quando foram gendarmes da burguesia? Precisamos de forças de contingência. Precisamos nos proteger", diz um guerrilheiro. (MB e LC)

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