São Paulo, domingo, 10 de fevereiro de 2008

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SUCESSÃO NOS EUA /FUNDOS DE CAMPANHA

Pequenas doações batem recorde neste ano

Obama é maior beneficiado por indivíduos que doam menos de US$ 200, com o dobro de Hillary em contribuições do tipo

Internet é porta de entrada para pequenos doadores; republicano favorito, John McCain patina no público da web, que prefere Ron Paul

FERNANDO RODRIGUES
EM CAMBRIDGE (EUA)

O democrata Barack Obama contou uma de suas várias histórias sobre doadores de campanha logo depois de vencer as primárias da Carolina do Sul, há 15 dias: "Quando as pessoas dizem que não conseguiremos superar a força do dinheiro e a influência de Washington, eu penso na mulher de idade que me enviou uma contribuição outro dia: um envelope com uma ordem de pagamento de US$ 3,01".
O exemplo sintetiza um fenômeno em curso na política dos Estados Unidos. Ao final da atual campanha, segundo todas as estimativas, o número de doadores de pequenas quantidades de dinheiro aos candidatos será um recorde histórico. Nunca tantos americanos se interessaram em contribuir financeiramente para eleger um presidente da República. Pela lei eleitoral do país, pequeno doador é o que oferece valores abaixo de US$ 200 (cerca de R$ 360). Em 2004, a campanha presidencial teve 2,064 milhões nessa categoria.
Os dados mostrados nesta página são inéditos. Foram compilados para o curso "Reforma Eleitoral", comandado pelo professor David King, da Universidade Harvard. Desta vez, mesmo antes de a campanha ter começado para valer, o número desses contribuintes pequenos já havia batido em 1,258 milhão em 31 de dezembro. Entre os candidatos com chance de vitória, o maior beneficiário é Barack Obama. Números da FEC (Comissão Federal Eleitoral, pela sigla em inglês, que comanda o processo nos EUA) demonstram que Obama recebeu US$ 31,038 milhões em pequenas doações até dezembro. Esse montante representa 31% do total que o democrata captou de indivíduos. Hillary Clinton, a outra pré-candidata democrata, teve menos da metade: US$ 14,081 milhões em pequenas doações -o equivalente a apenas 14% do total do dinheiro vindo de contribuições de indivíduos.
Por causa de uma idiossincrasia da lei americana, os doadores de valores abaixo de US$ 200 não precisam ser listados um a um, mas apenas de maneira coletiva pelos candidatos. Se houver dúvida ou denúncias a respeito, a FEC poderá requerer a abertura dos dados.

Exército
Estimativas realizadas por especialistas em Harvard e pelo Campaign Finance Institute (uma ONG de Washington) mostram Obama no final do ano passado acumulando um exército de pelo menos 310 mil pessoas. São os ativistas que em algum momento depositaram em sua conta bancária valores inferiores a US$ 200. Hillary contava com 140 mil nesse mesmo universo.
Se todas as contribuições são somadas, a senadora por Nova York arrecadou mais do que Obama até o dia 31 de dezembro. Hillary declarou US$ 118,3 milhões, contra US$ 103,8 milhões de seu adversário nas prévias democratas.
A diferença entre ambos é a qualidade da doação. Quando alguém perde um ou dois minutos para entrar no site do candidato e doar US$ 50 ou US$ 100, o político acredita receber mais do que o dinheiro.
Esse tipo de militante, em tese, é mais propenso a fazer campanha no ano eleitoral. Obama soube surfar a onda a favor em janeiro. Segundo o comando de sua campanha, no primeiro mês de 2008 o senador pelo Estado de Illinois conseguiu US$ 32 milhões em novas doações. A maior parte teria vindo de pequenos doadores.
Em e-mail enviado nesta semana a quem se alistou em seu site na internet, Obama disse ter chegado a mais 300 mil doadores só neste ano. Os dados ainda não foram escrutinados pela FEC. Se confirmados, ele já teria atingido mais de 600 mil doadores individuais. A imensa maioria seria composta por contribuintes de valores abaixo de US$ 200. John Kerry, o candidato democrata de 2004, teve esse número de pessoas apenas às vésperas da eleição, em novembro.
Outra comparação possível é com a democracia brasileira. Há um abismo entre os números dos EUA e os do Brasil. Em 2002, quando foi eleito pela primeira vez, o petista Luiz Inácio Lula da Silva declarou ter recebido 978 doações (para um total arrecadado de R$ 21 milhões). Quatro anos depois, em 2006, no período pós-mensalão, Lula admitiu uma coleta bem maior de dinheiro (R$ 81,2 milhões), mas tudo teria vindo de apenas 1.634 doadores.

Internet
Essa vitalidade na democracia dos EUA com participação direta dos eleitores só tem sido possível por causa do uso disseminado da internet. Enquanto no Brasil os eleitores ainda são obrigados a fazer doações em cheque ou mediante depósitos identificados na conta bancária de um candidato, aqui é possível enviar dinheiro diretamente pela rede mundial de computadores -que permite a identificação de quem doa, além de facilitar a operação. Pode-se mandar dinheiro por meio de transferência bancária ou simplesmente fornecendo os dados do cartão de crédito.
O cálculo básico feito por assessores políticos americanos é que a cada cem visitantes no site de um candidato, US$ 100 em média pingam na conta desse político. É como se cada internauta "valesse" US$ 1. Não é a toa que os políticos fazem grande esforço para aumentar a audiência em suas páginas, comprando anúncios em sites noticiosos (nos EUA não há horário eleitoral gratuito; todos os anúncios são pagos pela campanha dos candidatos).
Outro fator deve ser considerado sobre o uso da internet na política americana: o amplo uso dessa mídia no país. Há 215 milhões de norte-americanos com acesso à rede (71% da população). No Brasil, só 42 milhões estão conectados ( 22,5% dos habitantes).

Brasil sem apetite
Os políticos brasileiros também nunca demonstraram apetite para atrair um volume grande de pequenas doações individuais. Mesmo com uma base limitada de eleitores conectados à internet, essa operação seria viável -se cada internauta brasileiro doasse R$ 1, seriam R$ 42 milhões.
A lei não impede diretamente essa transação. Mas o TSE (Tribunal Superior Eleitoral) nunca se dedicou a regular tal tipo de procedimento. A legislação brasileira apenas determina a identificação de todas as doações. Esse requisito pode ser cumprido facilmente no meio digital -sobretudo em um país onde a população já se acostumou há uma década ao uso de "internet banking".
Os números nos EUA relacionados ao uso da internet pelos pré-candidatos mostram o avanço da rede no meio político. Barack Obama somava 425 mil "amigos" na manhã da última sexta-feira em sua página no Facebook (uma das mais populares redes de relacionamento social pela internet). Isso representa um crescimento de 148% sobre seus 171,2 mil "amigos" de 31 de dezembro. No mesmo período, Hillary Clinton saiu de 56,2 mil para 101 mil "amigos" nesse site (avanço de 92%).
As estatísticas do cyber espaço para Obama tomam contornos astronômicos quando o site é o YouTube, o mais popular endereço para vídeos na web. O senador democrata já acumula 16,4 milhões de acessos a seus vídeos promocionais no YouTube, segundo dados compilados pelos sites TechPresident (www.techpresident.com) e TubeMogul (www.tubemogul.com). Hillary Clinton soma 6,1 milhões de acessos. Na última semana, Obama teve mais de dois milhões de acessos, sobretudo por conta de um vídeo no qual um de seus discursos é musicado e apresentado por celebridades, incluindo a atriz de cinema Scarlertt Johansson.

Republicanos
Quando os analisados são os republicanos, o número geral de doadores de pequenos valores e a presença na internet só não são um fracasso completo por causa da surpreendente atuação de candidatos azarões como Ron Paul e Mike Huckabee. Ambos têm de alguma forma um desempenho melhor do que o favorito John McCain e do que Mitt Romney, que era o segundo colocado mas há três dias desistiu da campanha.
Paul é apenas a confirmação de uma regra. Em todas as eleições presidenciais recentes nos EUA sempre há um candidato com propostas extravagantes que atrai uma legião de seguidores. São pessoas descontentes com o "establishment" democrata e republicano.
Deputado federal, 72 anos, Paul é a favor do fim da Receita Federal e do Fed, o banco central dos EUA. Há alguns dias disse à Folha ser simpático à produção de álcool a partir da folha do cânhamo (maconha).
Com suas idéias heterodoxas, ele já teve 12,3 milhões de acessos no YouTube. É o republicano que acumula mais doadores individuais pequenos (172 mil). Huckabee não está muito fora do conservadorismo republicano, mas tem grande dificuldade para levantar fundos (US$ 9 milhões até dezembro passado). Seu grande trunfo tem sido a web. No YouTube, Huckabee é o republicano depois de Ron Paul com mais expectadores para seus vídeos promocionais: 5,2 milhões.
Já McCain é um quase fracasso total na internet. Também tem desempenho sofrível na área dos pequenos doadores. Ele arrastou só 1,8 milhão de pessoas para seus comerciais no YouTube (quase dez vezes menos do que o democrata Obama). Tem meros 50 mil "amigos" no Facebook.


FERNANDO RODRIGUES é bolsista do programa da Fundação Nieman para jornalistas da Universidade Harvard


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