São Paulo, terça-feira, 10 de fevereiro de 2009

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Morre pivô de disputa sobre eutanásia

A italiana Eluana Englaro, 38, em coma há 17 anos, teve crise "inesperada"; aliados de Berlusconi pedem investigação

Alimentação artificial havia sido interrompida por decisão da Justiça; governo direitista e Vaticano eram contrários ao procedimento


LaPresse - 15.out.2007/Associated Press
Beppino Englaro, pai de Eluana, mostra fotos de sua filha

DA REDAÇÃO

A italiana Eluana Englaro, em estado vegetativo havia 17 anos e pivô de uma disputa que opôs o governo conservador do primeiro-ministro Silvio Berlusconi, apoiado pelo Vaticano, ao Judiciário e ao presidente da República da Itália, morreu ontem, aos 38 anos.
Sua morte ocorre após meses de manobras políticas de Berlusconi para tentar evitar o cumprimento da decisão da máxima corte de Justiça italiana, que em novembro passado deu ganho de causa à família de Englaro e autorizou o desligamento, iniciado na última sexta-feira, do processo de alimentação e hidratação artificial que a mantinha viva.
Berlusconi chegou a ameaçar mudar a Constituição e tentou, na sexta, passar um decreto-lei vetando o procedimento autorizado pela Justiça -o presidente do país, Giorgio Napolitano, se recusou a ratificá-lo, considerando a iniciativa inconstitucional. O premiê manifestou ontem "profundo pesar" por não ter conseguido salvar a vida de Englaro.
Anunciada no Senado enquanto se discutia um projeto de lei ordinário apresentado pelo governo depois do fracasso da tentativa de decreto -que, com texto idêntico, proíbe a interrupção da alimentação em pacientes incapazes de expressar sua vontade-, a notícia não pôs fim à disputa entre governo e oposição no caso.
Após ter sido feito um minuto de silêncio, o senador Caetano Quagriello, aliado de Berlusconi, afirmou que "Eluana não morreu; foi assassinada". Outro parlamentar, Maurizio Gasparri, disse se tratar "claramente" de um caso de eutanásia.
A legislação italiana não reconhece o direito à eutanásia, embora a jurisprudência autorize aos pacientes o direito de não se alimentar.
Médicos encarregados do processo de interrupção da alimentação de Englaro haviam afirmado na semana passada que a paciente, em coma por causa de um acidente de carro, deveria demorar cerca de duas semanas para morrer.
O processo de corte da alimentação só teve início na última sexta, quando uma clínica particular em Udine (nordeste da Itália) se dispôs a realizá-lo.
No último sábado, após Berlusconi propor o projeto em discussão ontem, os médicos aceleraram o procedimento e interromperam completamente a alimentação artificial.

Parada cardíaca
O neurologista encarregado do caso, Carlo Alberto Defanti, disse à imprensa italiana que sua paciente morreu "de forma inesperada", e a causa precisa será determinada por autópsia "que já estava programada".
A agência de notícias italiana Ansa afirmou que Englaro morreu de parada cardíaca. O pai de Eluana, Beppino, não quis se pronunciar: "Me deixem sozinho".
O cardeal Javier Lozano Barragán, presidente do Conselho Pontifício para a Pastoral da Saúde, pediu que "o Senhor a acolha consigo e perdoe aqueles que a levaram à morte".
A oposição acusa Berlusconi de ter tentado se valer do sofrimento de Englaro para aumentar seus poderes e desvirtuar a democracia italiana.
Em editorial de primeira página, o diretor do jornal "La Repubblica", Ezio Mauro, disse que a tentativa de decreto de Berlusconi tentava romper o "ordenamento constitucional" da Itália. Mauro atacou a orientação religiosa radical do gabinete de Berlusconi. "O catolicismo italiano deixou de ser religião das pessoas para se converter em religião civil."
Ontem o ministro da Saúde, Maurizio Sacconi, pediu que o país aprove o projeto de lei que barra interrupções de alimentação "para que o sacrifício de Eluana não seja em vão". O Legislativo italiano retoma hoje as discussões sobre o projeto governista.


Com agências internacionais


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