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Crise econômica não derruba Zapatero, que até cresce
Em pleito parlamentar, Espanha mantém socialistas no governo com bancada maior
Em discurso da vitória, premiê promete buscar "diálogo social e político"; principal legenda opositora, PP também ganhou cadeiras
Manuel de León/Efe
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Simpatizantes socialistas acompanham apuração em Madri
CLÓVIS ROSSI
ENVIADO ESPECIAL A MADRI
Os 35 milhões de eleitores espanhóis serviram ontem de cobaia para medir, pela primeira
vez no mundo rico, o efeito eleitoral da turbulência financeira
global. Resultado: vitória do governo, com a cômoda reeleição
do presidente José Luis Rodríguez Zapatero, apesar de ser o
gerente da desaceleração da
economia provocada pela crise.
Zapatero e seu PSOE (Partido Socialista Operário Espanhol) até melhoraram seu desempenho, na comparação
com o resultado anterior
(2004): ficaram com 11 milhões
de votos, ou 43,6% (42,59% há
quatro anos). De todo modo, o
principal partido opositor, o
conservador PP (Partido Popular), melhorou ainda mais: passou de 37,71% em 2004 para
40,12%, que significaram 10,1
milhões de sufrágios (todos os
dados referem-se à apuração de
99,95% dos votos).
O PSOE ganhou cinco deputados na comparação com o
pleito anterior, chegando a 169,
sete a menos do que os 176 que
formam a maioria absoluta dos
350 membros do Congresso de
Deputados. O PP subiu na mesma medida, de 148 para 153.
O resultado reforça ainda
mais o bipartidarismo de fato
que vem caracterizando a Espanha: PSOE e PP ficam com
323 dos 350 lugares no Congresso de Deputados. É um
"tsunami bipartidário", reclamou Gaspar Llamazares, da IU
(Esquerda Unida, liderada pelos comunistas), que caiu de
cinco para dois deputados.
Quem mais perdeu, no entanto, foi a Esquerda Republicana da Catalunha, grupo independentista, que tinha oito deputados e fica com três.
As demais cadeiras vão para
outros partidos regionais (da
própria Catalunha, do País Basco, das ilhas Canárias e da Galícia). Um novo grupo, cisão dos
socialistas, conseguiu uma vaga
no Congresso.
"Acordo social"
A vitória dos socialistas impressiona se se considera o cenário econômico em que se
deu: o desemprego, em fevereiro, foi o mais elevado em dez
anos, com uma taxa de 8,8%, a
maior dos países da zona do euro; no setor da construção civil,
que vinha sendo o motor do
crescimento, o desemprego aumentou 36,1% nos últimos 12
meses. A economia, que cresceu 3,8% no ano passado, está
perdendo velocidade.
Além disso, a inflação subiu
em janeiro para 4,4% em 12
meses, também o nível mais alto de todos os quatro anos de
Zapatero.
Pior: produtos básicos tiveram aumentos muito mais significativos, como o leite
(24,38%) e o frango (16,2%).
Com esses números, é compreensível que Zapatero tenha
anunciado, na sexta-feira, em
entrevista exclusiva à TVE (Televisão Espanhola, estatal), que
sua primeira medida, reeleito,
seria convocar "um grande
acordo social", entre governo,
empresários e sindicatos de
trabalhadores, em busca de um
consenso para incentivar a economia, em especial na área da
construção civil.
Ontem, no discurso da vitória, limitou-se a prometer que
buscará o "diálogo social" e o
"diálogo político".
Como em 2004, quando pediu um minuto de silêncio pelos mortos nos atentados aos
trens de Madri, três dias antes
do voto, o premiê começou sua
fala de ontem lembrando o ex-vereador socialista Isaías Carrasco, assassinado sexta-feira
pelo grupo terrorista basco
ETA. Citou nominalmente três
outros mortos pelo grupo e depois "todas as demais vítimas.
Vivem em nossa memória".
Para Zapatero, o resultado é
expressão do desejo dos espanhóis de "abrir uma nova etapa,
sem crispação, que exclua o
confronto e busque um acordo
em assuntos de Estado".
"Crispación" entrou para o
léxico político espanhol durante todos os quatro anos de Zapatero, porque o PP fez uma
oposição particularmente impiedosa, a ponto de voltar, uma
e outra vez, a tentar atribuir os
atentados aos trens de Madri a
um complô entre radicais islamitas e o ETA. A investigação
policial e, depois, a Justiça estabeleceram sem a menor dúvida
que foram apenas os islamitas.
É razoável supor que essa
"crispación" tenha ajudado o
PSOE a vencer de novo, apresentando-se como vítima.
A massa socialista concentrada em frente à sede partidária vingou-se ontem, gritando
"La niña de Rajoy es socialista".
Tremenda ironia com Mariano
Rajoy, o líder do PP, que, nos
debates com Zapatero, criara
uma imaginária menina, "la niña de Rajoy", para dizer que
pensava sempre nela e em oferecer-lhe um futuro melhor.
Mas é óbvio que só pesquisas
aprofundadas explicarão melhor por que o espanhol não votou com o bolso, como a sabedoria convencional diz que
ocorre usualmente em todos os
países do mundo.
Uma segunda explicação,
além da crispação, pode estar
no fato de que a política econômica dos dois principais partidos mostra reduzidíssimas diferenças. Tanto é assim que, do
ponto de vista do crescimento,
foi indiferente até agora que
partido governava.
A Espanha cresceu 14 anos
consecutivos, dois com o socialista Felipe González, oito com
o conservador José María Aznar e quatro com o socialista
Zapatero. Logo, não pareceu ao
eleitorado relevante trocar de
comando.
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