São Paulo, segunda-feira, 10 de março de 2008

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Crise econômica não derruba Zapatero, que até cresce

Em pleito parlamentar, Espanha mantém socialistas no governo com bancada maior

Em discurso da vitória, premiê promete buscar "diálogo social e político"; principal legenda opositora, PP também ganhou cadeiras

Manuel de León/Efe
Simpatizantes socialistas acompanham apuração em Madri

CLÓVIS ROSSI
ENVIADO ESPECIAL A MADRI

Os 35 milhões de eleitores espanhóis serviram ontem de cobaia para medir, pela primeira vez no mundo rico, o efeito eleitoral da turbulência financeira global. Resultado: vitória do governo, com a cômoda reeleição do presidente José Luis Rodríguez Zapatero, apesar de ser o gerente da desaceleração da economia provocada pela crise.
Zapatero e seu PSOE (Partido Socialista Operário Espanhol) até melhoraram seu desempenho, na comparação com o resultado anterior (2004): ficaram com 11 milhões de votos, ou 43,6% (42,59% há quatro anos). De todo modo, o principal partido opositor, o conservador PP (Partido Popular), melhorou ainda mais: passou de 37,71% em 2004 para 40,12%, que significaram 10,1 milhões de sufrágios (todos os dados referem-se à apuração de 99,95% dos votos).
O PSOE ganhou cinco deputados na comparação com o pleito anterior, chegando a 169, sete a menos do que os 176 que formam a maioria absoluta dos 350 membros do Congresso de Deputados. O PP subiu na mesma medida, de 148 para 153.
O resultado reforça ainda mais o bipartidarismo de fato que vem caracterizando a Espanha: PSOE e PP ficam com 323 dos 350 lugares no Congresso de Deputados. É um "tsunami bipartidário", reclamou Gaspar Llamazares, da IU (Esquerda Unida, liderada pelos comunistas), que caiu de cinco para dois deputados.
Quem mais perdeu, no entanto, foi a Esquerda Republicana da Catalunha, grupo independentista, que tinha oito deputados e fica com três.
As demais cadeiras vão para outros partidos regionais (da própria Catalunha, do País Basco, das ilhas Canárias e da Galícia). Um novo grupo, cisão dos socialistas, conseguiu uma vaga no Congresso.

"Acordo social"
A vitória dos socialistas impressiona se se considera o cenário econômico em que se deu: o desemprego, em fevereiro, foi o mais elevado em dez anos, com uma taxa de 8,8%, a maior dos países da zona do euro; no setor da construção civil, que vinha sendo o motor do crescimento, o desemprego aumentou 36,1% nos últimos 12 meses. A economia, que cresceu 3,8% no ano passado, está perdendo velocidade.
Além disso, a inflação subiu em janeiro para 4,4% em 12 meses, também o nível mais alto de todos os quatro anos de Zapatero.
Pior: produtos básicos tiveram aumentos muito mais significativos, como o leite (24,38%) e o frango (16,2%).
Com esses números, é compreensível que Zapatero tenha anunciado, na sexta-feira, em entrevista exclusiva à TVE (Televisão Espanhola, estatal), que sua primeira medida, reeleito, seria convocar "um grande acordo social", entre governo, empresários e sindicatos de trabalhadores, em busca de um consenso para incentivar a economia, em especial na área da construção civil.
Ontem, no discurso da vitória, limitou-se a prometer que buscará o "diálogo social" e o "diálogo político".
Como em 2004, quando pediu um minuto de silêncio pelos mortos nos atentados aos trens de Madri, três dias antes do voto, o premiê começou sua fala de ontem lembrando o ex-vereador socialista Isaías Carrasco, assassinado sexta-feira pelo grupo terrorista basco ETA. Citou nominalmente três outros mortos pelo grupo e depois "todas as demais vítimas. Vivem em nossa memória".
Para Zapatero, o resultado é expressão do desejo dos espanhóis de "abrir uma nova etapa, sem crispação, que exclua o confronto e busque um acordo em assuntos de Estado".
"Crispación" entrou para o léxico político espanhol durante todos os quatro anos de Zapatero, porque o PP fez uma oposição particularmente impiedosa, a ponto de voltar, uma e outra vez, a tentar atribuir os atentados aos trens de Madri a um complô entre radicais islamitas e o ETA. A investigação policial e, depois, a Justiça estabeleceram sem a menor dúvida que foram apenas os islamitas.
É razoável supor que essa "crispación" tenha ajudado o PSOE a vencer de novo, apresentando-se como vítima.
A massa socialista concentrada em frente à sede partidária vingou-se ontem, gritando "La niña de Rajoy es socialista". Tremenda ironia com Mariano Rajoy, o líder do PP, que, nos debates com Zapatero, criara uma imaginária menina, "la niña de Rajoy", para dizer que pensava sempre nela e em oferecer-lhe um futuro melhor.
Mas é óbvio que só pesquisas aprofundadas explicarão melhor por que o espanhol não votou com o bolso, como a sabedoria convencional diz que ocorre usualmente em todos os países do mundo.
Uma segunda explicação, além da crispação, pode estar no fato de que a política econômica dos dois principais partidos mostra reduzidíssimas diferenças. Tanto é assim que, do ponto de vista do crescimento, foi indiferente até agora que partido governava.
A Espanha cresceu 14 anos consecutivos, dois com o socialista Felipe González, oito com o conservador José María Aznar e quatro com o socialista Zapatero. Logo, não pareceu ao eleitorado relevante trocar de comando.


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