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Presidente é cúmplice da tirania, afirma grevista
FLÁVIA MARREIRO
DA REPORTAGEM LOCAL
O jornalista e psicólogo cubano Guillermo Fariñas, 48, atende os que lhe procuram, por telefone, em sua casa em Santa
Clara, no centro de Cuba. Pausadamente, explica porque está
disposto a levar sua 23ª greve
de fome -hoje no 15º dia- até
o fim "pela pátria" e diz que o
presidente Luiz Inácio Lula da
Silva é "cúmplice da tirania dos
Castro".
Fariñas considerava-se "um
filho da revolução" -seu pai lutou com Che Guevara no Congo
em 1965 e ele mesmo serviu na
campanha de Angola, em 1981.
Diz ter se tornado opositor em
1989, depois que o então popular general Arnaldo Ochoa,
condenado por corrupção e
narcotráfico, foi fuzilado.
O psicólogo, que esteve na cadeia por 11 anos, recebe visita
de médicos do Estado e independentes, mas diz que só irá
ao hospital quando perder a
consciência. Havana diz que ele
é responsável por sua sorte e
que não aceitará chantagens.
FOLHA - Lula disse que fazer greve
de fome é uma "insanidade" e que é
preciso respeitar as decisões da Justiça cubana. O que o sr. responde?
GUILLERMO FARIÑAS - Com essa
declaração o que o presidente
Luiz Inácio Lula da Silva demonstra é seu comprometimento com a tirania dos Castro
e seu desprezo com os presos
políticos e seus familiares. A
maioria do povo cubano se sente traída por um presidente que
um dia foi um preso político.
FOLHA - O sr. recusou se exilar na
Espanha. Por quê?
FARIÑAS - Não tenho que ir a
parte alguma. Vou morrer na
minha pátria. Os Castro pensam que são donos absolutos da
ilha. Lula agiu de má-fé quando
veio a Cuba no momento em
que se dava o assassinato de Orlando Zapata Tamayo. Parece
que o poder fez que ele perdesse a memória. No passado, ele
foi um perseguido político.
Responsabilizo o governo cubano e os governos que o
apoiam, o Brasil, pela morte de
prisioneiros políticos.
FOLHA - Lula disse que não recebeu
a carta com o apelo sobre Zapata...
FARIÑAS - Esse é um pretexto
banal. Ele sabia da situação de
Zapata pela Embaixada do Brasil. Ele, como ex-preso político,
poderia ter cancelado a visita.
FOLHA - O governo cubano acusa o
sr. de fazer chantagem.
FARIÑAS - Não é uma chantagem. É um gesto humanitário e
de boa vontade por 26 presos
que estão morrendo na cadeia,
e que não quero que terminem
como Orlando Zapata Tamayo.
FOLHA - Como o sr. está se sentindo? Não cogita parar a greve?
FARIÑAS - Vou continuar. É minha decisão. Tenho pressão alterada, menor batimento cardíaco, dor de cabeça, muita dor
nas pernas. Minha vida pode se
acabar num dia como hoje, esgotante. Recebi ligações da imprensa, chamados de [companheiros] de luta. Não estou tomando nem tônicos nem água.
É importante que Lula saiba
que depois que eu morrer, outros vão continuar. Recebi a
carta do preso político, o engenheiro José Antonio, onde ele
diz que, quando eu morrer, ele
vai continuar, até as últimas
consequências.
FOLHA - Não é sua primeira greve
de fome. Li que o sr. se considera
com vocação para mártir...
FARIÑAS - Não [é a primeira
greve]. É a número 23. [Sobre a
vocação de mártir], não fui eu
que disse. Isso disseram os oficiais da segurança do Estado.
FOLHA - O sr. não se sente comovido pelos apelos da sua família?
FARIÑAS - Sim. Sinto amor pela
minha filha, por minha mulher,
por minha mãe, por todos os
meus familiares, pelos meus irmãos de luta. Mas me ensinaram, desde pequeno, que o
principal amor que alguém devia ter na vida era pela pátria.
FOLHA - O sr. diz que faz isso pela
pátria. Como espera que a sociedade de Cuba reaja ao gesto?
FARIÑAS - Realmente, não sei o
que vai acontecer com a sociedade cubana. O que eu posso dizer é o que desejo para ela: queria que fosse uma sociedade
próspera, onde houvesse liberdades políticas, sociais e econômicas e uma democracia representativa como em seu país, o
Brasil. E que houvesse uma reconciliação entre os cubanos de
diferentes ideologias, que não
houvesse derramamento de
sangue. É a Cuba que queria.
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