|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
Desarticulação da ala da igreja identificada com a Teologia da Libertação se deu por meio da divisão de arquidioceses e da censura
Papa silenciou progressistas brasileiros
FREDERICO VASCONCELOS
DA REPORTAGEM LOCAL
A desarticulação da chamada
igreja progressista no Brasil durante o pontificado de João Paulo
2º se processou através da divisão
de arquidioceses -com a redução do poder de lideranças como
d. Paulo Evaristo Arns, em São
Paulo, e d. Hélder Câmara, em
Recife- e por meio da aplicação
das "penas canônicas", punições
destinadas a silenciar figuras expressivas da Teologia da Libertação, como os irmãos Leonardo
Boff e Clodovis Boff.
Os bispos que não se submetiam à linha dura do Vaticano foram substituídos por outros, contrários ao espírito da Conferência
de Medellín (1968) -em que bispos latino-americanos declararam a "opção preferencial pelos
pobres"-, num "escandaloso
processo de destruição do trabalho missionário que os predecessores haviam feito", segundo disse em 2003 o padre belga José
Comblin. No Brasil desde 1958,
trabalhando no Nordeste, Comblin foi alvo desse processo de esvaziamento, depois que o ultraconservador José Cardoso Sobrinho sucedeu a d. Hélder, arcebispo de Olinda e Recife.
O "silêncio obsequioso", a proibição de falar em público e de publicar suas idéias, foi imposta a
Leonardo Boff por telefone, em
1984, por um funcionário do Vaticano. Vinte anos depois, d. Pedro
Casaldáliga, bispo de São Félix do
Araguaia (MT), recebia a sugestão do núncio apostólico para deixar a cidade, "evitando um constrangimento ao novo bispo".
Um manifesto de 118 representantes da pastoral criticou o "autoritarismo e a falta de transparência". O documento ajudou a
manter o bispo espanhol na cidade onde atuou durante 36 anos.
Casaldáliga também foi punido
nos anos 80 com o "silêncio obsequioso", como castigo pelas críticas a bispos da Nicarágua ("eles
não contestavam os crimes", diz)
e por haver celebrado missas "à
causa negra e à causa indígena".
O tratamento de temas sensíveis
ao Vaticano -como o dogmatismo da moral sexual- trouxe dissabores ao franciscano Antônio
Moser, um especialista na questão
da sexualidade. Em 1984, junto
com o teólogo Clodovis Boff, Moser foi afastado da PUC carioca
pelo cardeal d. Eugênio Sales.
Por defender a descriminalização do aborto, a teóloga Ivone Gebara, que vive em Pernambuco,
também foi punida com a pena de
"silêncio", sendo obrigada a "refletir" sobre suas idéias na Europa. A mesma punição foi proposta a Leonardo Boff, na segunda
vez em que foi advertido -quando então deixou a ordem franciscana. O cardeal Baggio deu-lhe a
opção de ir para conventos nas Filipinas ou na Coréia, onde deveria
guardar o obsequioso silêncio.
"A política interna da Igreja Católica ficou marcada, nesses anos
todos, por uma violência cuidadosamente camuflada", escreveu
o historiador Eduardo Hoonaert,
um dos religiosos identificados
com a Teologia da Libertação.
"As restrições à Teologia da Libertação não eram só teóricas,
mas também práticas", diz o padre redentorista Márcio Fabri.
"Começaram a pegar os expoentes que eram referências para essa
teologia", explica. "A gente entende que isso era uma forma de chamar a atenção. Em termos estratégicos, seria uma forma de intimidar ou de desestimular que continuassem naquela direção".
Roma monitora a nomeação de
religiosos para as faculdades de
teologia por meio de um instrumento chamado "missio canonica". Corresponde a um "nihil obstat", uma espécie de "nada em
contrário" fornecido pela censura
eclesiástica do Vaticano. Márcio
Fabri e Benedito Ferraro, teólogo
que faz uma interpretação política
da morte de Jesus, foram "desestimulados" por meio de "dificuldades" apresentadas na "missio canonica" ao cardeal Evaristo Arns.
"D. Paulo tomou medidas muito
transparentes para esclarecer",
diz Fabri. Mas ele e Ferraro foram
impedidos de ensinar teologia na
faculdade da arquidiocese.
Muitos ex-padres foram proibidos de dar aula de teologia. Sem
poder transmitir o conhecimento
adquirido durante os muitos anos
de estudo, esses religiosos sentem-se frustrados. Leigos menos
qualificados podem ensinar teologia a seminaristas.
"João Paulo 2º realmente reforçou o setor conservador da igreja.
Somos apenas tolerados. Diminuiu muito o número de religiosos e irmãs que moravam com os
pobres", diz o irmão marista Antonio Cecchin, de Porto Alegre.
Um dos religiosos que sofreram
restrições no período de João
Paulo 2º, esse descendente de italianos vive na periferia e se dedica
a assistir catadores de papel.
Em 1973, Cecchin se engajou no
movimento de ação católica ("catequese libertadora", antecessora
da Teologia da Libertação). Na ditadura militar, foi fichado como
"comunista" e preso junto com
frei Beto. "Minha congregação fechou a porta, mas continuo juridicamente irmão marista."
Texto Anterior: Homenagens são criticadas na França Próximo Texto: "Gostaria de um papa romano", diz censurado Índice
|