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O advogado Ives Gandra, ligado à Opus Dei, diz que o catolicismo guia-se pelo eterno e valoriza a mulher como nenhuma religião
"Igreja não é moderna nem retrógrada"
LAURA CAPRIGLIONE
DA REPORTAGEM LOCAL
Poucos podem se vangloriar de
ter um bilhete dirigido a si e escrito de próprio punho por um santo católico. O professor da Universidade Mackenzie e presidente
da Academia Paulista de Letras, o
advogado tributarista Ives Gandra da Silva Martins, pode.
O santo em questão é Josemaría
Escrivá, São Josemaría, fundador
da Opus Dei ("Obra de Deus", em
latim), organização transformada
em prelazia pessoal pelo papa
João Paulo 2º e acusada por teólogos "progressistas" de dirigir o
processo de "restauração" dogmática que se teria verificado durante o último pontificado.
Presidente do Centro de Extensão Universitária, obra corporativa da Opus Dei no Brasil, Silva
Martins enviou em 1975 ao monsenhor Escrivá um volume com
escritos produzidos pelos simpatizantes nacionais da Obra (outra
forma para designar a organização). A retribuição veio na forma
de um bilhete:
"Querido Ives: Muchas gracias
por tu felicitación y por la publicación que has tenido la amabilidad
de enviarme. Te ruego que sigas
muy unido a mi acción de gracias,
y que reces por mi, para que sea
un sacerdote bueno y fiel. Te encomienda y te bendice, con todos
los tuyos, afectuosamente, Josemaria."
Meses depois do bilhete, Escrivá
morreu. Bastaram 27 anos para
encontrar o seu lugar no altar dos
santos católicos. A canonização
foi feita por João Paulo 2º.
Outro ponto de vista
Nos mais de 40 anos de convivência espiritual com a Obra, Silva Martins aprendeu a enxergar
os desígnios da Igreja do ponto de
vista da eternidade.
Ele recusa-se, por exemplo, a
lançar suas fichas na grande aposta pré-conclave, que versa sobre
se o perfil do novo papa será
"conservador" ou "moderno".
"Os valores da Igreja não são nem
modernos nem retrógrados. São
eternos."
Aos 70 anos, o professor explica:
"Muda a forma - João Paulo 1º
era um homem de vida interior
mais intensa, enquanto João Paulo 2º era um atleta -, mas a mensagem é única há dois mil anos.
"A doutrina social da Igreja, por
exemplo, é a mesma desde a edição [pelo papa Leão 13] da [encíclica] "Rerum Novarum", de 1891,
chegando à [encíclica] "Laborem
Exercens", dada a público 90 anos
depois pelo papa João Paulo 2º",
diz o professor. Esse patrimônio
doutrinal expressa-se na condenação da luta de classes e do ateísmo, e na defesa da dignidade do
trabalho. "Valeu durante o pontificado leonino, passando por todos os papas, incluindo João 23 e
o Paulo 6º do Concílio Vaticano
2º. Foi apenas na forma que a
Igreja mudou."
Mas, professor, e as objeções
dos teólogos ditos "progressistas"
ao conservadorismo de João Paulo 2º na questão dos costumes,
por exemplo?
"Nenhuma religião, nem a judaica nem a islâmica, valorizou
desde sempre a mulher como a
católica. Qual delas tem uma figura feminina proeminente como é
a Virgem Maria, objeto de adoração de toda a Igreja? Não se prevê
o sacerdócio para mulheres, porque não havia mulheres entre os
apóstolos, a quem foi confiada a
tarefa de ministrar o sacramento
da eucaristia. Não há o que fazer
em relação a isso, mas Cristo estabeleceu que o adultério é um pecado que pesa sobre o homem
tanto quanto sobre a mulher. E o
que dizer da escolarização que a
Igreja propiciou para as mulheres, e que gerou figuras emblemáticas como Santa Catarina de Siena, santa e doutora da Igreja do
século 14, época do Grande Cisma
do Ocidente, quando dois papas
disputaram o rebanho católico. A
cardeais, bispos e prelados, Catarina escreveu 150 cartas. Em uma
delas, o questionamento doutoral: "Vossas eminências cometem
eminentíssimos erros". Isso, muito antes do feminismo."
Feto róseo
E o aborto, professor? "A condenação ao aborto está nos fundamentos da Igreja. O quinto mandamento estabelece: "Não matarás". O que a Igreja vem defendendo é que o assassinato do embrião, o mais frágil entre os seres,
é um pecado mortal. Nenhuma
novidade nisso."
A organização pró-aborto conhecida como Catholics for a Free
Choice, no Brasil representada
pela ONG Católicas pelo Direito
de Decidir, acusa a igreja sob João
Paulo 2º de ter como modelo uma
mulher voltada ao sacrifício, ao
sofrimento e à entrega aos outros.
Mas na mesa do escritório do professor Silva Martins, no bairro
paulistano dos Jardins, um enfeite
minúsculo evidencia a importância que ele dá à acusação.
O adorno impressiona até pelo
tamanho. Trata-se da réplica em
tamanho natural de um feto humano aos dois meses de gestação.
Róseo, pés, mãos, todo o corpo
formado, e cinco centímetros de
comprimento, mostra a fragilidade da vida que a Igreja e a Opus
Dei acreditam ter como missão
defender.
"Eu entendo que as Católicas
pelo Direito de Decidir queiram
participar do debate sobre a legislação do aborto. O que não entendo é que elas queiram destruir um
dos pilares sobre os quais se erigiu
a própria Igreja, e desejem continuar como membros dela", diz
Silva Martins.
Apenas catolicismo
E não teria sido a intransigência
na defesa desses valores a responsável pela perda de fiéis católicos,
extraviados em seitas e nas múltiplas denominações pentecostais?
"A Igreja tem dois mil anos. Foi
defendida na origem por uns
broncos, que eram os apóstolos.
Atravessou maus pontificados,
como o de Alexandre 6º [de Rodrigo Borgia, 1492-1503], caracterizado pela corrupção e devassidão que, no entanto, não conseguiram contaminar o tesouro da
Igreja. Mais recentemente, foi dada como morta durante períodos
como o Terror na Revolução
Francesa [1793-1794], ou a Guerra
Civil espanhola [1936-1939], em
que seis mil religiosos foram assassinados. Isso sem contar o
ateísmo comunista vivido pela
Polônia. Os teólogos que vêem
nos dias atuais o fim da Igreja desconhecem história", diz Silva
Martins. "O papado de João Paulo
2º teve a propriedade de vocalizar
os valores mais caros da Igreja."
Isso não é conservadorismo, diz
ele. É apenas catolicismo.
A última pergunta: a Opus Dei
vai dar as cartas na sucessão de
João Paulo 2º? "A Opus Dei existe
apenas para santificar o trabalho,
para dar glória a Deus e para servir aos outros", recita o professor.
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