São Paulo, domingo, 10 de abril de 2005

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ANÁLISE

Para Ralph della Cava, João Paulo 2º foi "uma grande decepção" ao atacar os que combatiam as ditaduras militares

Papa foi o grande adversário do marxismo, diz historiador

FABIANO MAISONNAVE
DE WASHINGTON

Na Europa central e do leste, o papa João Paulo 2º tem sido lembrado pelo apoio aos dissidentes dos regimes comunistas. Na América Latina, sua atuação foi marcada pela punição de religiosos da Teologia da Libertação, muitos deles opositores de ditaduras militares.
Estudioso do papel da Igreja Católica nessas duas regiões, o historiador Ralph Della Cava vê uma motivação ideológica nessa aparente contradição. "Este papa foi o grande adversário do marxismo", afirmou à Folha.
Na década de 90, o brasilianista Della Cava, 70, "abandonou" o país que começou a pesquisar em 1963 para se dedicar ao estudo do catolicismo nos antigos países comunistas. Entre 1993 e 2000, passou vários períodos na Rússia e na Ucrânia. Atualmente, pesquisa o papel da direita cristã americana no Partido Republicano. O autor do estudo clássico "Milagre em Juazeiro" mora em Nova York, onde é é pesquisador da Universidade Columbia e professor emérito da Universidade da Cidade de Nova York. Leia sua entrevista:

Folha - De que forma a atuação do papa nos antigos países comunistas divergiu de sua política para América Latina, onde perseguiu movimentos progressistas de oposição a ditaduras militares?
Ralph Della Cava -
Este papa foi o grande adversário do marxismo. No momento em que ele foi persuadido de que a teologia era uma vertente da doutrina marxista, não poupou esforços para disciplinar todos os seus expoentes. É uma contradição. De um lado, foi capaz de abraçar Oscar Romero [bispo salvadorenho assassinado em 1980] como mártir da igreja e defensor dos pobres. Mas não podia repetir isso no contexto brasileiro, onde os teólogos queriam refazer a estrutura da igreja a partir das Comunidades Eclesiais de Base. Não diria que o papa apoiou as ditaduras, mas, ao disciplinar a Teologia da Libertação, criou a forte impressão de que a igreja estava ao lado de regimes autoritários. Foi uma grande decepção.
Enquanto na Europa central isso se deu num contexto de restauração da igreja, na América Latina era um momento em que a redemocratização começava a florescer. O Vaticano não estava contra uma versão da redemocratização, mas se opunha à presença dos seus sacerdotes nesse processo.

Folha - E como está a igreja nessas duas regiões?
Della Cava -
O padre Alberto Antoniazzi [morto em dezembro passado] formulou uma tese de que também se aplica à Europa central: a rápida urbanização e o fim de um catolicismo rural que tem sustentado a igreja por séculos e, no caso do Brasil, no século passado, começou a provocar o declínio da participação na igreja. Não é apenas a atração da sociedade secular, mas também a ênfase no indivíduo, sua compreensão subjetiva da religião e seu direito, numa sociedade pluralista, de escolher os elementos da vida religiosa que mais se adeqüam às suas necessidades na sociedade. Em toda a Europa, não mais do que 8% freqüentam missa.

Folha - No Brasil há um crescimento sem precedentes das igrejas pentecostais. Isso ocorre por causa ou apesar da estratégia do papa?
Della Cava -
Houve três grandes esforços realizados por João Paulo 2º para conter o avanço do que ele chamou de "as seitas". O primeiro é que ele viajou a todos os países e, onde ele sentiu que havia a maior erosão da igreja, no México e no Brasil, esteve mais de uma vez. A segunda política foi a nomeação de bispos próximos a ele não apenas sobre sua posição sobre a vida sacramental na igreja mas também sobre temas sociais -ele foi um papa que condenou a guerra e os abusos do capitalismo. No entanto, muito desses bispos conservadores não foram bem-sucedidos em aumentar o número de vocações. Finalmente, houve o apoio incondicional ao que chamou de "novos movimentos", como a Opus Dei e a renovação carismática. Em certa medida, a renovação carismática vem tendo sucesso no Brasil.

Folha - A urbanização explica o crescimento do pentecostalismo?
Della Cava -
Talvez o sucesso das igrejas pentecostais seja porque elas permitem uma maior mobilidade entre denominações. Também porque, no caso das neopentecostais, o objetivo é aumentar o sucesso dos indivíduos. Os neopentecostais têm essa teologia de sucesso financeiro.

Folha - Sobre os EUA, o que está acontecendo nas relações entre política e religião?
Della Cava -
A novidade agora é uma aliança entre evangélicos e certos setores da igreja católica, sobretudo em tornos dos assuntos "pró-vida", como foi o caso da Terri Schiavo. É algo que nunca teria acontecido no passado. Os católicos sempre foram vistos com desconfiança por setores evangélicos, sobretudo os do Sul. Nas eleições, constatou-se uma votação católica em favor de Bush. É uma nova tendência que precisa ser observada nas eleições de 2006, quando alguns dos assuntos importantes serão o "pró-vida" e o casamento gay.

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