|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
ANÁLISE
Para Ralph della Cava, João Paulo 2º foi "uma grande decepção" ao atacar os que combatiam as ditaduras militares
Papa foi o grande adversário do marxismo, diz historiador
FABIANO MAISONNAVE
DE WASHINGTON
Na Europa central e do leste, o
papa João Paulo 2º tem sido lembrado pelo apoio aos dissidentes
dos regimes comunistas. Na
América Latina, sua atuação foi
marcada pela punição de religiosos da Teologia da Libertação,
muitos deles opositores de ditaduras militares.
Estudioso do papel da Igreja Católica nessas duas regiões, o historiador Ralph Della Cava vê uma
motivação ideológica nessa aparente contradição. "Este papa foi
o grande adversário do marxismo", afirmou à Folha.
Na década de 90, o brasilianista
Della Cava, 70, "abandonou" o
país que começou a pesquisar em
1963 para se dedicar ao estudo do
catolicismo nos antigos países comunistas. Entre 1993 e 2000, passou vários períodos na Rússia e na
Ucrânia. Atualmente, pesquisa o
papel da direita cristã americana
no Partido Republicano. O autor
do estudo clássico "Milagre em
Juazeiro" mora em Nova York,
onde é é pesquisador da Universidade Columbia e professor emérito da Universidade da Cidade de
Nova York. Leia sua entrevista:
Folha - De que forma a atuação
do papa nos antigos países comunistas divergiu de sua política para
América Latina, onde perseguiu
movimentos progressistas de oposição a ditaduras militares?
Ralph Della Cava -Este papa foi o
grande adversário do marxismo.
No momento em que ele foi persuadido de que a teologia era uma
vertente da doutrina marxista,
não poupou esforços para disciplinar todos os seus expoentes. É
uma contradição. De um lado, foi
capaz de abraçar Oscar Romero
[bispo salvadorenho assassinado
em 1980] como mártir da igreja e
defensor dos pobres. Mas não podia repetir isso no contexto brasileiro, onde os teólogos queriam
refazer a estrutura da igreja a partir das Comunidades Eclesiais de
Base. Não diria que o papa apoiou
as ditaduras, mas, ao disciplinar a
Teologia da Libertação, criou a
forte impressão de que a igreja estava ao lado de regimes autoritários. Foi uma grande decepção.
Enquanto na Europa central isso se deu num contexto de restauração da igreja, na América Latina
era um momento em que a redemocratização começava a florescer. O Vaticano não estava contra
uma versão da redemocratização,
mas se opunha à presença dos
seus sacerdotes nesse processo.
Folha - E como está a igreja nessas duas regiões?
Della Cava - O padre Alberto Antoniazzi [morto em dezembro
passado] formulou uma tese de
que também se aplica à Europa
central: a rápida urbanização e o
fim de um catolicismo rural que
tem sustentado a igreja por séculos e, no caso do Brasil, no século
passado, começou a provocar o
declínio da participação na igreja.
Não é apenas a atração da sociedade secular, mas também a ênfase no indivíduo, sua compreensão
subjetiva da religião e seu direito,
numa sociedade pluralista, de escolher os elementos da vida religiosa que mais se adeqüam às
suas necessidades na sociedade.
Em toda a Europa, não mais do
que 8% freqüentam missa.
Folha - No Brasil há um crescimento sem precedentes das igrejas
pentecostais. Isso ocorre por causa
ou apesar da estratégia do papa?
Della Cava - Houve três grandes
esforços realizados por João Paulo 2º para conter o avanço do que
ele chamou de "as seitas". O primeiro é que ele viajou a todos os
países e, onde ele sentiu que havia
a maior erosão da igreja, no México e no Brasil, esteve mais de uma
vez. A segunda política foi a nomeação de bispos próximos a ele
não apenas sobre sua posição sobre a vida sacramental na igreja
mas também sobre temas sociais
-ele foi um papa que condenou
a guerra e os abusos do capitalismo. No entanto, muito desses bispos conservadores não foram
bem-sucedidos em aumentar o
número de vocações. Finalmente,
houve o apoio incondicional ao
que chamou de "novos movimentos", como a Opus Dei e a renovação carismática. Em certa
medida, a renovação carismática
vem tendo sucesso no Brasil.
Folha - A urbanização explica o
crescimento do pentecostalismo?
Della Cava - Talvez o sucesso das
igrejas pentecostais seja porque
elas permitem uma maior mobilidade entre denominações. Também porque, no caso das neopentecostais, o objetivo é aumentar o
sucesso dos indivíduos. Os neopentecostais têm essa teologia de
sucesso financeiro.
Folha - Sobre os EUA, o que está
acontecendo nas relações entre política e religião?
Della Cava - A novidade agora é
uma aliança entre evangélicos e
certos setores da igreja católica,
sobretudo em tornos dos assuntos "pró-vida", como foi o caso da
Terri Schiavo. É algo que nunca
teria acontecido no passado. Os
católicos sempre foram vistos
com desconfiança por setores
evangélicos, sobretudo os do Sul.
Nas eleições, constatou-se uma
votação católica em favor de
Bush. É uma nova tendência que
precisa ser observada nas eleições
de 2006, quando alguns dos assuntos importantes serão o "pró-vida" e o casamento gay.
Texto Anterior: "Igreja não é moderna nem retrógrada" Próximo Texto: Família Wojtyla lembra parente "santo" Índice
|