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entrevista
"Fim do conflito não representará início da paz"
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA,
EM COLOMBO (SRI LANKA)
O carioca Gerson Brandão
está no Sri Lanka desde o final de 2006, quando foi, pela
ONU, ajudar na recuperação
do tsunami de 2004 -depois
de já ter trabalhado no Congo e em Darfur, no Sudão.
Hoje, chefia o escritório de
Ajuda Humanitária da ONU
no norte do país. À Folha ele
diz não acreditar que o final
do conflito militar seja o início da paz.
(GV)
FOLHA - Qual a situação nas
ruas e nos campos de refugiados?
GERSON BRANDÃO - Trabalhei
dez meses dentro do território dos Tigres Tâmeis, entre
novembro de 2007 e setembro de 2008. A ofensiva do
governo estava começando.
É horrível. Há grávidas no
nono mês de gestação que
deveriam ter sido resgatadas
há meses, casos de crianças
desnutridas, de pessoas que
perderam membros ao pisar
em minas. A Cruz Vermelha
tem que decidir entre o ruim
e o pior para levar no barco.
FOLHA - Qual a situação do lado
dos Tigres Tâmeis em termos de
saúde da população ainda presa?
BRANDÃO - No momento, há
três médicos e várias enfermeiras. O número de funcionários da saúde é incerto,
mas certamente insuficiente. Hoje são 171 mil pessoas
que passaram para o lado do
governo. Na zona dominada
pelos Tigres, é difícil afirmar
quantos há. Mas, por imagens de satélites, estima-se
que haja entre 50 mil e 70 mil
pessoas lá.
FOLHA - Como você vê a atuação do governo?
BRANDÃO - Após mais de 25
anos de conflito, o governo
do Sri Lanka acha que é a hora de acabar com a guerra.
Mas vejo os dois lados com
intransigência. Eles já não
conseguem mais negociar.
O governo bombardeou a
área controlada pelos Tigres
mesmo ciente da superpopulação. E os Tigres já mataram
pessoas que queriam fugir. O
direito humano mais básico,
à vida, é desrespeitado.
FOLHA - Parece ser o momento
mais desesperador do país.
BRANDÃO - Com a continuação, infelizmente, do uso de
artilharia pesada, não resta
mais nada às pessoas que
ainda vivem na área controlada pelos Tigres além de
tentar construir qualquer
abrigo contra os constantes
bombardeios. Nunca morreu
tanta gente como agora. O final, neste caso, não quer dizer o início da paz.
FOLHA - Como você vê essa fase
final?
BRANDÃO - Vejo como um
grande ponto de interrogação. Apesar de militarmente
o governo agir como nunca, a
relação com a minoria tâmil
ainda tem que ser resolvida.
É importante que a versão
dos civis que viveram no lado
dos Tigres seja ouvida. Tão
importante quanto derrotar
os Tigres é devolver a paz e a
segurança que muitas pessoas nunca tiveram.
(GV)
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