São Paulo, domingo, 10 de maio de 2009

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entrevista

"Fim do conflito não representará início da paz"

COLABORAÇÃO PARA A FOLHA, EM COLOMBO (SRI LANKA)

O carioca Gerson Brandão está no Sri Lanka desde o final de 2006, quando foi, pela ONU, ajudar na recuperação do tsunami de 2004 -depois de já ter trabalhado no Congo e em Darfur, no Sudão. Hoje, chefia o escritório de Ajuda Humanitária da ONU no norte do país. À Folha ele diz não acreditar que o final do conflito militar seja o início da paz. (GV)

 

FOLHA - Qual a situação nas ruas e nos campos de refugiados?
GERSON BRANDÃO
- Trabalhei dez meses dentro do território dos Tigres Tâmeis, entre novembro de 2007 e setembro de 2008. A ofensiva do governo estava começando.
É horrível. Há grávidas no nono mês de gestação que deveriam ter sido resgatadas há meses, casos de crianças desnutridas, de pessoas que perderam membros ao pisar em minas. A Cruz Vermelha tem que decidir entre o ruim e o pior para levar no barco.

FOLHA - Qual a situação do lado dos Tigres Tâmeis em termos de saúde da população ainda presa?
BRANDÃO
- No momento, há três médicos e várias enfermeiras. O número de funcionários da saúde é incerto, mas certamente insuficiente. Hoje são 171 mil pessoas que passaram para o lado do governo. Na zona dominada pelos Tigres, é difícil afirmar quantos há. Mas, por imagens de satélites, estima-se que haja entre 50 mil e 70 mil pessoas lá.

FOLHA - Como você vê a atuação do governo?
BRANDÃO
- Após mais de 25 anos de conflito, o governo do Sri Lanka acha que é a hora de acabar com a guerra. Mas vejo os dois lados com intransigência. Eles já não conseguem mais negociar.
O governo bombardeou a área controlada pelos Tigres mesmo ciente da superpopulação. E os Tigres já mataram pessoas que queriam fugir. O direito humano mais básico, à vida, é desrespeitado.

FOLHA - Parece ser o momento mais desesperador do país.
BRANDÃO
- Com a continuação, infelizmente, do uso de artilharia pesada, não resta mais nada às pessoas que ainda vivem na área controlada pelos Tigres além de tentar construir qualquer abrigo contra os constantes bombardeios. Nunca morreu tanta gente como agora. O final, neste caso, não quer dizer o início da paz.

FOLHA - Como você vê essa fase final?
BRANDÃO
- Vejo como um grande ponto de interrogação. Apesar de militarmente o governo agir como nunca, a relação com a minoria tâmil ainda tem que ser resolvida. É importante que a versão dos civis que viveram no lado dos Tigres seja ouvida. Tão importante quanto derrotar os Tigres é devolver a paz e a segurança que muitas pessoas nunca tiveram. (GV)


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