São Paulo, quarta, 10 de junho de 1998

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CORRIDA ARMAMENTISTA
Tratado de 91 com a Argentina será usado para tentar convencer Índia e Paquistão a cessar testes atômicos
Brasil exibe modelo para acordo nuclear

RUI NOGUEIRA
em São Paulo

Na rivalidade nuclear entre indianos e paquistaneses, os países desenvolvidos e com arsenal atômico escolheram o subdesenvolvido Brasil para desempenhar uma dupla função: oferecer o acordo com a vizinha Argentina como modelo para negociar uma solução entre Índia e Paquistão e assumir um papel ativo nas negociações internacionais.
Brasil e Argentina assinaram em 91 um acordo que autoriza comissões dos dois países a contabilizar e controlar todos os materiais nucleares e a receber inspetores em todas as instalações de pesquisa, civis e militares.
O Brasil ganhou essa projeção por ter ratificado praticamente todos os tratados de controle de programas de pesquisa nuclear para fins pacíficos e bélicos.
A proposta de usar o acordo nuclear Brasil-Argentina como modelo de negociação foi feita pela Cnen (Comissão Nacional de Energia Nuclear), em Brasília, e levada pelo presidente Fernando Henrique Cardoso ao governo norte-americano. Os EUA encaminharam a proposta à AIEA (Agência Internacional de Energia Atômica), que reuniu segunda-feira, em Viena, a sua junta de governadores (órgão executivo).
O diretor-geral da AIEA, Mohamed al Baraddai, telefonou ontem para a Cnen e disse que a junta de governadores acatou a proposta brasileira como forma de estimular Índia e Paquistão a negociarem sem a interferência das potências que reclamam dos testes e ameaçam com sanções, mas têm armas nucleares -situação classificada pelo governo indiano de "hipócrita".
A disputa regional entre a Índia hinduísta e o Paquistão muçulmano é histórica e culturalmente mais acirrada (entraram em guerra três vezes) do que a que existia entre Brasil e Argentina até ao início das negociações para a criação do Mercosul, nos governos José Sarney e Raul Alfonsín (anos 80).
O traço comum está no uso que as Forças Armadas e os governos de Índia e Paquistão fazem da pesquisa nuclear como forma de afirmação regional e dissuasão pelo medo.
Nos anos 70, quando Brasil e Argentina eram dominados por regimes militares, as Forças Armadas montaram programas de pesquisa com fins claramente bélicos.
Ganharia a corrida quem primeiro conseguisse explodir um artefato nuclear.
Com a redemocratização e a crise econômica, mais a vigilância e a pressão crescente dos EUA, que barganharam a ajuda econômica em troca do fim da aventura nuclear, os dois países partiram para uma negociação diplomática encerrada com a criação da Abacc (Agência Brasileiro-Argentina de Contabilidade e Controle de Materiais Nucleares).
Foi esse papel de bom moço na questão nuclear, que o Brasil vem desempenhando desde o governo Sarney (85-89), quando começou a ser desmontada a rivalidade nuclear com a Argentina, que levou agora o G-8 (grupo dos sete países mais ricos e Rússia) e a AIEA a empurrar o Itamaraty para o cenário da negociação internacional. Um papel que o governo brasileiro aceita de bom grado.

Terça, no Senado
A Folha apurou que no encontro com o presidente Bill Clinton, domingo passado, em Camp David (EUA), FHC confirmou a iminente ratificação, pelo Senado, do TNP (Tratado de Não-Proliferação de Armas Nucleares).
A mensagem presidencial apoiando o TNP foi encaminhada ao Congresso em junho do ano passado e deve ser votada na Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional, do Senado, na próxima terça-feira. Dos tratados internacionais importantes, é o único que falta ratificar.
Até chegar ao TNP, o Brasil assinou o acordo com a Argentina, o Tlatelolco (não-proliferação entre países latino-americanos), o Quatripartite (com a AIEA), o com o chamado "Clube de Londres" (que autoriza o país a ser supridor de materiais nucleares) e o MTCR (Regime de Controle de Tecnologia de Mísseis).
A postura contra a pesquisa nuclear para fins bélicos foi reforçada no governo FHC com a decisão de assinar o TNP, o tratado que enfrentava a oposição mais organizada entre setores das Forças Armadas e da diplomacia. Esses setores consideram o TNP discriminatório -não acaba com o arsenal nuclear existente.



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