São Paulo, quinta-feira, 10 de agosto de 2006

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ARTIGO

Extremistas minam esperança

AMOS GITAI
DO "MONDE"

Estar em Haifa, minha cidade natal, nos dias que correm, ouvir o som das sirenes de alerta, o ruído dos mísseis que caem, é uma experiência que nada tem de intelectual. Trata-se de sentir fisicamente o que significa ser um cidadão do Oriente Médio, fazer parte do grande ritual dessa região, que consiste em derramar o sangue dos povos que a habitam a intervalos regulares.
A única questão que se apresenta é: por quê? Quantas vítimas, quanta destruição, serão necessárias para que se compreenda aqui que a dança da morte não rima com nada?
O conflito atual demonstra ao menos uma coisa: que o Oriente Médio nos últimos tempos está no caminho do apaziguamento e da reconciliação. De maneira tragicamente repetitiva e previsível, os extremistas intervêm a cada vez que se realiza qualquer progresso e o esmagam pela força.
Basta recuar alguns anos para perceber: no momento em que Yitzhak Rabin ordenou ao Exército israelense que se retirasse das cidades palestinas de Jenin e Nablus, começou uma onda de atentados a ônibus em Tel Aviv.
Do lado dos terroristas, cada avanço em direção à paz é interpretado como sinal de fraqueza, como ocasião de demonstrar seu poderio por meio de ataques a Israel. É dessa maneira que eles minam o terreno ocupado pelos moderados israelenses.
Prestem atenção à mistura entre o conflito principal, que opõe israelenses e palestinos, e os confrontos entre Israel e os demais países árabes. O primeiro é o conflito essencial porque a terra pertence aos dois povos, que precisam encontrar uma maneira de nela viverem juntos.
Para nós, israelenses de esquerda, esta guerra é particularmente complexa, no plano político. Já há alguns anos, por meio de artigos, livros ou filmes, tentamos demonstrar que a solução é que Israel se retire dos territórios ocupados. Ora, quando Israel se retirou de Gaza e do Líbano, foi exatamente ali que o Hizbollah atacou. Na parte do Golã que continua ocupada, em contraste, tudo está calmo.
Sabe-se o que dirá a direita israelense: a retirada não é solução. De minha parte, continuo a acreditar que Israel deveria continuar as retiradas, mesmo que a coexistência pacífica seja apenas uma esperança distante: porque um dia ela se produzirá. Mas enquanto a esperamos, a luta contra o Hizbollah não tem solução "politicamente correta".
Será de fato possível apaziguar uma organização religiosa feroz, que se apóia em uma ideologia perfeitamente irracional, por meio da moderação, da diplomacia?
A particularidade do conflito do Oriente Médio é que ele transcorre integralmente diante das câmeras. É o conflito mais influenciado pela mídia que o planeta já viu e a novela preferida do mundo inteiro. Uma novela sem fim, onde os mocinhos e os vilões trocam regularmente de papéis.
Fazer cinema nesse contexto é um verdadeiro desafio: é preciso constantemente manter a perspectiva, preservar a racionalidade, apesar da tormenta. Ser a um só tempo cidadão e cineasta em um contexto como esse é quase uma esquizofrenia, mas creio profundamente que o cinema não deve ser o jornal noturno da TV e que lhe cabe o papel de desmantelar a simplificação proposta pela mídia. É preciso que ele alimente não o ódio, mas a compreensão.


AMOS GITAI é cineasta israelense

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