São Paulo, sexta-feira, 10 de agosto de 2007

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Escândalo da mala derruba funcionário de Kirchner

Demitido leva culpa por "carona" a venezuelano que seria dono de dólares suspeitos

Em ano eleitoral, é a quarta baixa no governo argentino por suposta corrupção; presidente diz que nunca se fiscalizou tanto no país

RODRIGO RÖTZSCH
DE BUENOS AIRES

O governo argentino demitiu ontem o presidente do Ente Regulador de Pistas, Claudio Uberti, por ter dado carona em um avião ao empresário venezuelano Guido Antonini Wilson, que tentou entrar na Argentina, no sábado, com uma mala com US$ 790,5 mil.
Em ano eleitoral, é o quarto funcionário do governo de Néstor Kirchner demitido por suspeitas de irregularidades. A mulher do presidente, Cristina Fernández de Kirchner, é a candidata favorita à eleição presidencial de outubro.
Antonini Wilson, que na última terça-feira deixou a Argentina rumo a Montevidéu, foi denunciado ontem pela procuradora criminal Maria Luz Rivas Diez por suposto contrabando.
A investigação de Diez por enquanto não inclui Uberti -contra quem, no entanto, foi aberta outra apuração, na Justiça Federal, em resposta a uma denúncia de Ricardo Mussa, empresário peronista. Mussa, que diz ter testemunhado a chegada do avião ao aeroparque de Buenos Aires, no último sábado, disse que Uberti ameaçou os funcionários da Alfândega de demissão caso não o deixassem passar. O Cessna 750 X, fretado pela estatal de energia Enarsa, vinha da Venezuela.
O anúncio da demissão foi feito logo no início do dia por Julio de Vido, ministro do Planejamento, a quem Uberti era subordinado. "Em decorrência de erros que se cometeram no contexto de sua visita [de Uberti] à Venezuela, incorporaram-se ao avião pessoas alheias à delegação original e concebemos isso como um erro. Ele o admitiu e, obviamente, solicitamos a ele que renunciasse", afirmou De Vido.

Dois pesos
O governo argentino adotou uma posição diferente em relação ao presidente da Enarsa, Exequiel Espinoza, que também estava no avião. "Ele não tem nada a ver com este tema. Claro que continua no cargo", disse o chefe-de-gabinete, Alberto Fernández.
Fernández atribuiu a responsabilidade pelo ocorrido aos funcionários da PDVSA (estatal venezuelana do petróleo) que estavam no Cessna. "Houve um abuso da boa-fé dos funcionários argentinos por parte dos funcionários venezuelanos, que pediram para trazer uma pessoa que tinha uma mala com semelhante quantidade de dinheiro, sem que ninguém o soubesse."
Na realidade, a única prova de que a mala pertencesse a Wilson é o fato de ele ter se identificado como seu proprietário. Como não havia fundo falso na mala, a polícia alfandegária interpretou que não houve tentativa de esconder o dinheiro, motivo pelo qual o episódio foi enquadrado a princípio como infração aduaneira. Isso permitiu que Wilson não fosse detido e deixasse o país na terça de manhã.
A oposição não se deu por satisfeita com a demissão de Uberti, porém, e cobrou a exoneração do próprio De Vido. "De Vido e toda a gente que o acompanha institucionalizaram um mecanismo de corrupção", disse o presidente da oposicionista UCR (União Cívica Radical) e candidato a vice na chapa de Roberto Lavagna, Gerardo Morales.
O deputado Adrian Pérez, aliado da candidata à Presidência Elisa Carrió, levantou a hipótese de que o dinheiro fosse uma contribuição ilegal para a campanha de Cristina Kirchner. "Já havíamos dito que Uberti e De Vido apareciam como arrecadadores [na campanha presidencial de 2003]. Hoje estamos diante do mesmo arrecadador às vésperas de uma campanha eleitoral. Pode ser um modus operandi", disse.
A legislação argentina proíbe doações de campanha de cidadãos, governos ou empresas estrangeiros.
O presidente Néstor Kirchner, no entanto, disse que a sucessão de escândalos é fruto do trabalho de controle e fiscalização de seu governo, "que não esconde nada".
"Pela primeira vez na Argentina se combate a sério a corrupção. Fazemos os controles em todas as áreas que temos que fazer, caia quem caia. Vou em busca da verdade permanente", afirmou Kirchner, que disse ainda não pôr a mão no fogo por ninguém.


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