São Paulo, sexta-feira, 10 de setembro de 2004

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ÁFRICA

Pela primeira vez Washington usa o termo para designar os assassinatos cometidos por milícias apoiadas pelo governo sudanês

Conflito no Sudão é genocídio, diz Powell

Antony Njuguna/Reuters
Mulheres e crianças sudanesas caminham no campo de refugiados de Ararah, na região de Darfur


STEVEN R. WEISMAN
DO "NEW YORK TIMES"

Para intensificar as pressões sobre o Sudão para que ponha fim às atrocidades em Darfur, o secretário norte-americano de Estado, Colin Powell, declarou ontem, pela primeira vez, que os assassinatos, os estupros e a destruição que forçaram 1,5 milhão de pessoas a deixar suas casas naquele país equivalem a genocídio e devem ser tratados como tal pela ONU.
Ao Senado, Powell afirmou ter concluído que ocorreu genocídio depois de estudar as constatações de especialistas enviados à região em julho para entrevistar vítimas da violência no oeste do Sudão, boa parte dela cometida por milícias conhecidas como Janjaweed, que têm o respaldo do governo.
"Quando revimos as provas compiladas por nossa equipe", disse Powell, "concluímos -eu concluí- que foi cometido genocídio em Darfur, que o governo do Sudão e as Janjaweed têm responsabilidade por isso e que é possível que o genocídio ainda esteja acontecendo."
A declaração de Powell foi feita um dia depois de os EUA circularem um rascunho de resolução do Conselho de Segurança da ONU sobre o Sudão. A resolução ameaçaria o país com sanções econômicas se o governo de Cartum não refreasse as milícias e permitisse que uma grande força da União Africana patrulhasse a região e possibilitasse o retorno das vítimas a seus locais de origem.
Mas o depoimento também teve dimensão política, na medida em que críticos do governo Bush, entre eles o candidato democrata à Presidência, John Kerry, vêm pedindo que os EUA assumam papel mais ativo no Sudão.
O Congresso aprovou uma resolução declarando que a situação no Sudão é genocídio, e, na semana passada, Kerry pediu ao governo que seguisse seu exemplo. Até agora, porém, Powell vinha dizendo que não queria usar a palavra genocídio antes de ter analisado os fatos e que, ademais, o simples uso da palavra, por si só, não traria grandes resultados.
"Chame de guerra civil. Chame de limpeza étnica. Chame de genocídio. Chame de "nenhuma das alternativas anteriores". A realidade é a mesma. Há pessoas em Darfur que precisam desesperadamente da ajuda da comunidade internacional", disse Powell.
Ele voltou a afirmar, ontem, que o uso da palavra "genocídio" não vai conduzir automaticamente a nenhuma ação. Ele disse que os EUA e outros países vão continuar a pressionar o Sudão, ameaçando com sanções e incentivando o país a solucionar a rebelião em Darfur que provocou a retaliação das Janjaweed.
Conversações com vistas a tal solução, que incluiria o envio de pelo menos 3.000 soldados, liderados pela Nigéria, vêm acontecendo na capital nigeriana, Abuja.
O termo "genocídio" é uma questão delicada. A Convenção sobre a Prevenção e a Punição ao Crime do Genocídio é definida por um tratado que entrou em vigor em 1951. Ela foi utilizada pelos EUA no caso das atrocidades na Iugoslávia e em Ruanda.
Powell já afirmou em várias instâncias que até mesmo a ameaça de sanções pode acabar exercendo efeito contrário ao desejado em determinadas situações. Em lugar disso, ele vem tentando reunir-se com os líderes do Sudão e aplicar mais pressão moderada.
A administração americana também teme que ameaças e punições contra o Sudão possam provocar o repúdio do mundo árabe, em que muitos líderes acusam o governo Bush de ser ansioso demais por punir países árabes. O conflito no Sudão é travado por um governo de maioria árabe contra uma população muçulmana, mas não-árabe.

Tradução de Clara Allain


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