São Paulo, domingo, 10 de setembro de 2006

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Comediante se descobriu árabe depois de atentados

Filho de pai palestino, Dean Obeidallah transforma preconceito em comédia

Sobrenomes árabes e muçulmanos começam a ocupar palcos de Nova York para mostrar como são suas vidas e fazer auto-ironia

GUSTAVO CHACRA
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA,
DE NOVA YORK

Os melhores amigos do comediante árabe-americano Dean Obeidallah, 36, antes do 11 de Setembro, tinham nomes como John, Michael, Andrew. Na época, como gosta de dizer nos seus shows, ele ainda era um "branco" nos Estados Unidos. Após os ataques, passou a andar com pessoas chamadas Ahmed, Said, Mohammed. "Virei um árabe."
De pele bem clara, nascido em New Jersey, com mãe italiana e pai palestino, torcedor do time de beisebol Yankees, freqüentador do Village, vestido com roupas da Banana Republic e da Gap, Obeidallah se descreve como um jovem americano comum de Nova York. "Não tenho nada a ver com aqueles terroristas."
O problema, segundo Obeidallah, é que outros americanos passaram a olhar pessoas de origem árabe e/ou islâmica de uma forma diferente. No seu show, ele descreve situações constrangedoras que passou a enfrentar desde os atentados e que são comuns entre árabes e muçulmanos nos EUA.
"Passaram a me perguntar: Você conhece o Bin Laden? Por que vocês árabes são tão revoltados? Nossa, você é árabe mas parece tão simpático." O pior, diz ele, são os amigos que aparecem e dizem em tom brincadeira: "Se você souber de algum atentado, me avise".
Logo após o 11 de Setembro, Obeidallah afirma que sua vida mudou completamente, pois o ódio contra pessoas de origem árabe cresceu nos EUA. Um primo dele chegou a ser agredido na escola em um dos mais de 500 ataques contra árabes e muçulmanos.
Como não tem a aparência estereotipada de árabe e tem o inglês como língua nativa, muitas pessoas não percebem que estão diante de uma pessoa de origem árabe. "Já escutei várias vezes de americanos que todos os árabes deveriam ser mortos", afirma no espetáculo chamado "Eu vim em paz", que estava em cartaz em Nova York até a semana passada.

Descoberta de origens
Com a vida afetada pelos ataques, Obeidallah começou a se apegar às suas origens, viajando ao Oriente Médio e estudando mais a história da região. E, da mesma forma como os judeus fazem por meio do já conhecido humor judaico, passou a ver o lado engraçado no fato de viver em Nova York sendo árabe no pós-11 de Setembro.
Hoje, assim como Jerry Seinfeld e Larry David faziam nos anos 80 com o judaísmo, sobrenomes árabes e muçulmanos aos poucos começam a ocupar os palcos dos clubes de comédia de Nova York para mostrar como é a vida deles e também para ironizar um pouco o islamismo. Em novembro, ocorre o quarto festival anual de comédia árabe-americana.
Obeidallah já é figura constante em programas de TV e em artigos de jornais americanos. Assim como a iraniana (que é persa, não árabe) Negin Farsad. Na sua apresentação, ela conta a história de sua ida ao Irã para o casamento da prima. Antes, compara a vida das duas. Enquanto uma nasceu na Califórnia, estudou em Nova York e perdeu a virgindade em Paris, a outra nunca deixou o Irã e se casou virgem sem nunca ter beijado o futuro marido.
Crítica do atual governo iraniano, ela descreve a vida de parentes em Teerã.
"Não interessa o que ocorra no país, meus primos dizem: Espere pela mudança do regime. Já o meu tio fica bebendo uísque escondido no banheiro e relembrando a época do xá [Reza Pahlevi, deposto na Revolução Islâmica de 1979], quando podia freqüentar boates em Teerã e sair com uma mulher diferente por noite. Já o primo gay tem que se contentar em organizar casamentos e dar opiniões sobre as roupas das parentes", conta Farsad no seu espetáculo.
Obeidallah afirma que muitos apontam os árabes como os novos negros dos EUA. "Seria bom se fosse assim, com craques no basquete, música e estilo de se vestir copiado por todos." Mas, para o comediante, segundo sua declaração no fim do seu espetáculo, "os árabes e os muçulmanos são a nova União Soviética".
"Até surgir um novo inimigo, os árabes serão colocados como os maus da história", afirma Obeidallah, mostrando no telão uma lista de 350 filmes, todos anteriores a 11 de Setembro, que colocam os árabes entre os vilões. ""Poseidon", "Black Sunday", "De Volta para o Futuro" e até mesmo vários filmes pornográficos", diz ele.


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