São Paulo, quarta-feira, 10 de setembro de 2008

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Para ir de uma cidade boliviana a outra, é preciso fazer um desvio pela Argentina

DA ENVIADA A VILLAMONTES

Se o objetivo era chegar ao coração dos protestos na Bolívia que ameaçam o envio de gás ao Brasil, a região do Chaco, o melhor caminho era a Argentina. Sem grande estranheza ou indignação, "são décadas de bloqueio na Bolívia", explicam que para chegar a outro ponto do país é preciso sair dele.
Deixamos Tarija pouco depois das 6h em direção a Bermejo, a cerca de 200 km, na fronteira com a Argentina.
Cochilo para acordar sobressaltada. É o primeiro bloqueio da viagem. Um amontoado de pedras de 1,5 metro impede a passagem a cinco minutos da fronteira. Não havia manifestantes ao lado, e tomamos um desvio. Passaríamos por outros três bloqueios até chegar em Bermejo. Na rádio, o líder do Comitê Cívico local anuncia "radicalização". A última saída livre de Tarija está prestes a ser fechada, ameaça.
Com medo do bloqueio na ponte internacional, aceito cruzar a fronteira de bote. Do lado argentino, penso que faltam três horas de caminhos livres até Yacuíba, na Bolívia de novo, um dos focos do conflito. Mas, como se sabe, os bloqueios ou piquetes são tão ou mais tradicionais na Argentina do que na Bolívia.
Sou parada em Tartagal. Um grupo de desempregados bloqueia a estrada com fogo em galhos de árvore. "Somos desempregados. Não temos plano social [versão de seguro-desemprego]. Então vamos bloquear o dia inteiro para o governo prestar atenção na gente", diz o líder do protesto, Rui Paula, 40. "No Brasil, está tudo bem, né? Até a Cristina disse estar com inveja", completa sua mulher, Aniana.
De repente, um pequeno conflito. Um senhor com cinta pós-operatória insiste com os piqueteiros que precisa passar. Dos dois lados do bloqueio, pequenas filas de ônibus e carros. Autorizam que ele passe, mas ele é surdo. Sou acionada para escrever no meu bloquinho a informação.
O insólito da cena e a imagem geral da Bolívia, mas não só ela, interrompida fazem pensar na função dos bloqueios e protestos, seus custos e ganhos sociais. Foi parando a principal artéria da Bolívia, a que liga Santa Cruz a La Paz, passando por Cochabamba, que o líder sindical Evo Morales conseguiu mais espaço para o plantio de coca legal e se lançou na política nacional.
Foi também com protestos e bloqueios que derrubaram dois presidentes, que saiu a nova Lei dos Hidrocarbonetos, de 2005, no governo Carlos Mesa (2003-2005), que aumentaram os recursos gerados pelo setor quando foi criado o IDH, o imposto pelo qual as regiões brigam agora. Os empresários que chamaram por anos Morales de "terrorista" agora dizem que aprenderam seus métodos.
E é o próprio Mesa que repete à exaustão que na Bolívia nenhum dos lados acredita na via institucional para resolver qualquer coisa.
Já estou em Pocitos, cidade argentina que faz fronteira com Yacuíba. Uma fila enorme de caminhões parados pelo bloqueio espera há 15 dias para entrar na Bolívia. Um punhado, que leva carga perecível, mantém seus motores dos frigoríficos ligados.
"Não temos países sérios. Para mim, direitos humanos é também fazer valer a lei. E deixar as pessoas trabalharem", diz o motorista argentino Oscar García. "O pior é que para os bolivianos esses dias sem produtos não são nada. Vão seguir bloqueando. É uma coisa dantesca a maneira como eles vivem, andando dez quilômetros para buscar água." (FM)


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