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ARTIGO
Jovens não respeitam mesquita nem Estado
QUENTIN PEEL
DO "FINANCIAL TIMES"
Muito antes de os distúrbios começarem nos deprimentes subúrbios da zona norte de Paris, para
em seguida se espalharem rapidamente pelos guetos de imigrantes
pobres que pontilham as periferias da maioria das cidades do interior, já estava claro que a França
se encontrava num estado de ansiedade e confusão política.
Os eleitores franceses parecem
se sentir mais ameaçados e defensivos do que qualquer outro eleitorado europeu. Temem a ameaça externa da globalização e a interna do fracasso em integrar ou
assimilar a maior comunidade
imigrante da União Européia, que
representa cerca de 10% dos 60
milhões de habitantes do país.
Esses temores foram responsáveis por a maior votação da extrema direita na Europa ter sido dada à Frente Nacional de Jean-Marie Le Pen no pleito presidencial
de 2002. Foram responsáveis pelo
voto "não" no referendo da Constituição Européia, em maio.
O voto "não" foi um grito em favor de fazer o relógio europeu voltar atrás para os tempos em que a
UE era vista como fonte de segurança e proteção, antes de as fronteiras terem sido desmontadas e
de o trânsito livre de mão-de-obra
e bens ter se tornado a realidade
do mercado único europeu.
Nem à direita nem à esquerda
surgiu uma liderança política clara que rejeitasse os argumentos
contra a globalização, contra as
histórias assustadoras sobre "encanadores europeus" roubando
empregos franceses.
A mesma confusão no cerne do
establishment político é o que
vem caracterizando a sua reação à
explosão dos subúrbios. Hoje tanto a esquerda quanto a direita
compreendem que há anos vêm
ignorando o problema dos filhos
dos imigrantes, desempregados e
destituídos de esperança.
O muito elogiado modelo social
francês fracassou totalmente em
trazer alívio a essa geração alienada. Os filhos dessa geração não recebem os benefícios do sistema de
bem-estar social. O modelo social
garante a proteção para aqueles
que têm empregos ocasionais,
mas não para os "excluídos" que
nunca tiveram nenhum tipo de
emprego ou educação decente.
O ideal republicano francês de
igualdade e indiferença oficial à
raça não melhorou a situação dos
imigrantes. A realidade social é a
de que quem tem nome árabe ou
africano enfrenta problemas praticamente insuperáveis para encontrar trabalho ou sair do gueto.
Não só as forças da lei perderam
o controle sobre esses jovens. Os
pais dos revoltosos não influenciam seus filhos. Tampouco o fazem as lideranças islâmicas que
apelaram para que parem de
queimar carros e roubar lojas em
suas próprias comunidades. Esses
jovens não têm lealdade à mesquita nem ao Estado.
Não houve, ao que parece, nenhuma inspiração religiosa nos
distúrbios, nem mesmo por parte
de fundamentalistas muçulmanos. Foi uma explosão social. Seus
alvos foram automóveis -símbolos da sociedade que os excluiu- e instituições do Estado.
Seria um erro se outros países
da Europa observassem o que se
passa na França com um sentimento de auto-satisfação. As tentativas alternativas de multiculturalismo, no Reino Unido e na Holanda, incentivando a manutenção da identidade cultural e étnica
nas comunidades imigrantes, não
têm tido muito mais sucesso.
Os atentados de 7 de julho em
Londres mostram que há uma geração de filhos de imigrantes nascida no Reino Unido que se sente
igualmente alienada e é capaz de
fazer pior do que apedrejar policiais e queimar carros.
Nicolas Sarkozy, ministro do
Interior da França e possível candidato presidencial, questionou o
absolutismo da tradição francesa
de não levar a raça em conta, sugerindo que alguma discriminação positiva talvez seja o modo de
o país se afastar da exclusão racial,
realidade inconteste.
No entanto, o fato de ter tachado os jovens agitadores de "escória" que precisava ser limpa das
ruas com as mesmas mangueiras
de pressão usadas para limpar a
sujeira entranhada em prédios
antigos teve implicações raciais
assustadoras que quase certamente ajudaram a agravar a crise.
Sarkozy pode ter prejudicado
permanentemente suas ambições
presidenciais. Mas o fato é que
não existem respostas fáceis para
nenhum país europeu. Aqueles
que tiveram colônias hoje são comunidades multiétnicas. Eles precisam aprender com os erros uns
dos outros e esforçar-se mais para
integrar os filhos dos imigrantes,
de modo que consigam educação
e empregos melhores.
Tentar reverter o relógio da imigração ou fechar as portas da Europa não seria resposta válida. Isso apenas viria agravar a divisão
racial. Apenas uma Europa aberta
será capaz de competir em uma
economia globalizada, celebrando sua diversidade e assegurando
que seus imigrantes, e os filhos
deles, tenham orgulho de suas novas nacionalidades. Talvez eles até
mesmo aprendam a sentir orgulho de ser europeus.
Tradução de Clara Allain
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