São Paulo, quinta-feira, 10 de novembro de 2005

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ARTIGO

Jovens não respeitam mesquita nem Estado

QUENTIN PEEL
DO "FINANCIAL TIMES"

Muito antes de os distúrbios começarem nos deprimentes subúrbios da zona norte de Paris, para em seguida se espalharem rapidamente pelos guetos de imigrantes pobres que pontilham as periferias da maioria das cidades do interior, já estava claro que a França se encontrava num estado de ansiedade e confusão política.
Os eleitores franceses parecem se sentir mais ameaçados e defensivos do que qualquer outro eleitorado europeu. Temem a ameaça externa da globalização e a interna do fracasso em integrar ou assimilar a maior comunidade imigrante da União Européia, que representa cerca de 10% dos 60 milhões de habitantes do país.
Esses temores foram responsáveis por a maior votação da extrema direita na Europa ter sido dada à Frente Nacional de Jean-Marie Le Pen no pleito presidencial de 2002. Foram responsáveis pelo voto "não" no referendo da Constituição Européia, em maio.
O voto "não" foi um grito em favor de fazer o relógio europeu voltar atrás para os tempos em que a UE era vista como fonte de segurança e proteção, antes de as fronteiras terem sido desmontadas e de o trânsito livre de mão-de-obra e bens ter se tornado a realidade do mercado único europeu.
Nem à direita nem à esquerda surgiu uma liderança política clara que rejeitasse os argumentos contra a globalização, contra as histórias assustadoras sobre "encanadores europeus" roubando empregos franceses.
A mesma confusão no cerne do establishment político é o que vem caracterizando a sua reação à explosão dos subúrbios. Hoje tanto a esquerda quanto a direita compreendem que há anos vêm ignorando o problema dos filhos dos imigrantes, desempregados e destituídos de esperança.
O muito elogiado modelo social francês fracassou totalmente em trazer alívio a essa geração alienada. Os filhos dessa geração não recebem os benefícios do sistema de bem-estar social. O modelo social garante a proteção para aqueles que têm empregos ocasionais, mas não para os "excluídos" que nunca tiveram nenhum tipo de emprego ou educação decente.
O ideal republicano francês de igualdade e indiferença oficial à raça não melhorou a situação dos imigrantes. A realidade social é a de que quem tem nome árabe ou africano enfrenta problemas praticamente insuperáveis para encontrar trabalho ou sair do gueto.
Não só as forças da lei perderam o controle sobre esses jovens. Os pais dos revoltosos não influenciam seus filhos. Tampouco o fazem as lideranças islâmicas que apelaram para que parem de queimar carros e roubar lojas em suas próprias comunidades. Esses jovens não têm lealdade à mesquita nem ao Estado.
Não houve, ao que parece, nenhuma inspiração religiosa nos distúrbios, nem mesmo por parte de fundamentalistas muçulmanos. Foi uma explosão social. Seus alvos foram automóveis -símbolos da sociedade que os excluiu- e instituições do Estado.
Seria um erro se outros países da Europa observassem o que se passa na França com um sentimento de auto-satisfação. As tentativas alternativas de multiculturalismo, no Reino Unido e na Holanda, incentivando a manutenção da identidade cultural e étnica nas comunidades imigrantes, não têm tido muito mais sucesso.
Os atentados de 7 de julho em Londres mostram que há uma geração de filhos de imigrantes nascida no Reino Unido que se sente igualmente alienada e é capaz de fazer pior do que apedrejar policiais e queimar carros.
Nicolas Sarkozy, ministro do Interior da França e possível candidato presidencial, questionou o absolutismo da tradição francesa de não levar a raça em conta, sugerindo que alguma discriminação positiva talvez seja o modo de o país se afastar da exclusão racial, realidade inconteste.
No entanto, o fato de ter tachado os jovens agitadores de "escória" que precisava ser limpa das ruas com as mesmas mangueiras de pressão usadas para limpar a sujeira entranhada em prédios antigos teve implicações raciais assustadoras que quase certamente ajudaram a agravar a crise.
Sarkozy pode ter prejudicado permanentemente suas ambições presidenciais. Mas o fato é que não existem respostas fáceis para nenhum país europeu. Aqueles que tiveram colônias hoje são comunidades multiétnicas. Eles precisam aprender com os erros uns dos outros e esforçar-se mais para integrar os filhos dos imigrantes, de modo que consigam educação e empregos melhores.
Tentar reverter o relógio da imigração ou fechar as portas da Europa não seria resposta válida. Isso apenas viria agravar a divisão racial. Apenas uma Europa aberta será capaz de competir em uma economia globalizada, celebrando sua diversidade e assegurando que seus imigrantes, e os filhos deles, tenham orgulho de suas novas nacionalidades. Talvez eles até mesmo aprendam a sentir orgulho de ser europeus.


Tradução de Clara Allain

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