São Paulo, quinta-feira, 10 de novembro de 2005

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Morador acampa em prédio para defender cidade

DO ENVIADO A GRIGNY

Os olhos do "colaborador" estão em brasa, e suas olheiras são profundas. Ele tem os cabelos desgrenhados, a barba por fazer e não cheira muito bem. O "colaborador" -assim ele pede para ser identificado- está na sede da Prefeitura de Grigny, na periferia sul de Paris, a 25 km da capital.
Ontem era esse o seu quartel-general, mas hoje pode ser uma escola e amanhã um ginásio esportivo. Ele integra um batalhão comunitário que, desde o agravamento dos distúrbios sociais na cidade, tem dormido nos prédios públicos e feito ronda pelas ruas da cidade de 25 mil habitantes.
Foi em Grigny que, no último sábado, tiros disparados por rebeldes feriram dois polícias. Foi lá também que duas escolas, uma de ensino primário e um jardim de infância, foram queimadas no final de semana, tornando o local um dos mais policiados da região metropolitana nos últimos dias.
A violência levou os moradores a promoverem os acampamentos e as rondas. O "colaborador" não está disposto a dar detalhes de como foi a sua última noite. É evidente que tem dormido mal, parece um farrapo humano. Conta apenas que a madrugada foi mais calma que as anteriores.
Sua justificativa para fugir dos detalhes é o receio de despertar ainda mais a ira dos baderneiros. "Não queremos promoção, isso cria uma bola de neve, pode provocá-los."
A Folha conversou com outros moradores de Grigny para perceber como é o processo.
A partir do final da tarde, os voluntários se encontram nos prédios públicos do município. Dividem-se em grupos de quatro a oito pessoas e rumam para a sua "trincheira". Deixam acesas todas as luzes do local, levam rádio, comida, colchões e cobertores. E extintores de incêndio, caso não haja um no prédio. Segundo os participantes, ninguém usa armas.
Outros moradores circulam a pé pelos quarteirões onde estão esses prédios, verificando se tudo está bem. De manhã se dispersam, voltando a se encontrar à noitinha para uma nova jornada.
A iniciativa foi adotada na semana passada, mas só foi depois do último final de semana, o mais violento desde o início dos distúrbios, que se tornou mais efetiva. Uma reunião na sede da prefeitura na última segunda organizou o mutirão.
Madame Aurélie (nome fictício) esteve lá. Com cerca de 75 anos, diz não ter mais condições de integrar os grupos de vigilância, mas quer participar da proteção ao território onde vive. Vizinha de uma das escolas incendiadas, conta que ligou para os bombeiros às 7h15 do domingo, evitando a perda total do prédio.
"A polícia já tem muito a fazer, não podemos depender só dela. E o bom dos grupos é que são totalmente pacíficos. Não é milícia, isso tem de ficar claro."
A prefeitura não adotou o toque de recolher. Coincidência ou não, depois que os grupos de voluntários foram reforçados, não houve prédios ou carros queimados. (FÁBIO VICTOR)

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