São Paulo, quinta-feira, 10 de novembro de 2011

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CLÓVIS ROSSI

A hora do terror para a Itália


Queda de Berlusconi não resolve o problema da dívida, e fundamentos da democracia estão em jogo


Desabafa em seu site Dario Franceschini, um dos principais líderes do Partido Democrático, o maior da oposição italiana: "Os 'spreads' sobre os títulos [italianos] não nos permitem esperar nem mesmo uma hora".
Tem razão: os mercados criaram um ambiente de absoluto terror para a Itália e, por extensão, para o resto do mundo, já que a Itália, oitava economia do planeta, é grande demais para quebrar e também grande demais para ser socorrida.
O "spread" a que se refere Franceschini é a diferença entre o que o mercado pede de juros para rolar os papeis alemães, tidos como os mais seguros, e o que é cobrado da Itália: no fim da tarde, estava em 551 pontos (ou 5,51%). Os três países que já foram socorridos pela Europa pediram água com uma diferença menor: 500 pontos a Grécia, 544 a Irlanda e 517 Portugal.
Os três, como se sabe, são pequenos o suficiente para serem socorridos: a dívida da trinca, somada, dá um terço da italiana, que é de pouco menos de € 2 trilhões.
O que se faz com um gigante como a Itália? A única resposta escapou à Europa e ao G20, que não conseguiram acertar-se sobre um fundo de socorro suficientemente robusto para estabelecer um corta-fogo contra o contágio à Itália.
Agora, há um coro à esquerda e à direita para que o Banco Central Europeu funcione como sétimo de cavalaria e compre os títulos italianos para evitar a pressão dos mercados. É possível que seja mesmo a única saída restante, mas é preciso deixar claras duas coisas:
1 - Trata-se de novo de socializar o prejuízo. Ou seja, se a Itália não puder pagar, quem fica com o mico é o Tesouro público dos países europeus, via BCE, e também o FMI, que é sustentado pelo contribuinte, inclusive o brasileiro.
2 - O "spread" cobrado pelo mercado significa, na prática, que os detentores de títulos italianos se previnem de um eventual calote cobrando juros obscenos, com o que minimizam sua perda, se houver de fato o calote, e maximizam o lucro, se o calote não vier.
Ou seja, pôr dinheiro para evitar o calote da Itália é como pingar sangue no mar em que nadam as piranhas, vulgo agentes de mercado. Nesse percurso, está se destruindo um dos fundamentos da democracia, que é a capacidade de o eleitorado -teoricamente o grande soberano- decidir entre diferentes programas de governo. No caso da Itália, os mercados e os sócios europeus exigem que o Parlamento aprove um programa de ajuste que fatalmente implica morder o Estado de Bem-Estar Social, um dos patrimônios legado pela Europa à humanidade.
A aprovação dar-se-á antes da eleição a ser convocada após a renúncia de Berlusconi. Ou seja, o eleitor italiano não terá a chance de dizer se concorda ou não com um programa de governo imposto e supervisionado de fora, tanto pela União Europeia como pelo Fundo Monetário Internacional.
Pior: quem aceitou o programa e a supervisão foi Berlusconi, que, não obstante, caiu pela pressão dos mercados. Estes, como disse Franceschini, não permitem esperar nem uma hora, quanto mais os dias/meses que a democracia leva inexoravelmente para girar a sua roda.

crossi@uol.com.br

AMANHÃ EM MUNDO
Moisés Naím



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