São Paulo, quarta-feira, 10 de dezembro de 2008

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

ARTIGO

Terroristas querem nos destruir

ASIF ALI ZARDARI

As mortes e a destruição recentes em Mumbai, Índia, me trouxeram à memória as mortes e destruição acontecidas em Karachi em 18 de outubro de 2007, quando terroristas atacaram um comício de recepção a minha mulher, Benazir Bhutto, que voltava ao país. Quase 150 paquistaneses foram mortos e mais de 450, feridos. O ataque terrorista a Mumbai pode ser uma notícia para o resto do mundo. Para mim, é a dolorosa realidade de uma experiência compartilhada. Tendo visto minha mulher escapar com vida por muito pouco naquele dia, eu a perdi em um segundo ataque, este infelizmente bem sucedido, dois meses depois.
Os ataques em Mumbai tinham por alvo não apenas a Índia, mas o novo governo democrático do Paquistão e o processo de paz que iniciamos com a Índia. Os partidários do autoritarismo no Paquistão e atores não-estatais que têm interesses escusos em perpetuar o conflito não querem que as mudanças deitem raízes no Paquistão.
Para combater os planos dos terroristas, Paquistão e Índia, duas grandes nações nascidas juntas, da mesma revolução e do mesmo mandato, em 1947, precisam continuar avançando com o processo de paz.
O Paquistão está determinado a perseguir, deter, julgar e punir as pessoas envolvida nesses ataques hediondos. Mas acautelamos contra julgamentos apressados e declarações inflamatórias. Como as operações demonstraram no domingo, o Paquistão agirá contra os atores não-estatais instalados em nosso território e os tratará como criminosos, terroristas e assassinos. Não só os terroristas não têm nenhum elo com o governo paquistanês como nós também somos suas vítimas.
A Índia é uma nação madura e uma democracia estável. Mas diante da raiva despertada pelos ataques, é preciso que parem para pensar. Índia, Paquistão e o mundo precisam trabalhar juntos para localizar os terroristas que causaram destruição em Mumbai, atacaram Nova York, Londres e Madri anteriormente e destruíram o hotel Marriott, em Islamabad, em setembro. Os terroristas que mataram minha mulher têm conexões ideológicas com esses inimigos da civilização.

Legado extremista
Esses extremistas não surgiram do nada. O Paquistão foi aliado do Ocidente durante toda a Guerra Fria. O mundo trabalhou para explorar a religião como arma contra a União Soviética no Afeganistão e fez dos mais fanáticos o instrumento de destruição de uma superpotência. A estratégia funcionou, mas seu legado foi a criação de uma milícia extremista que opera com dinâmica própria.
O Paquistão continua a pagar o preço por isso: um legado de ditadura, a fadiga do fanatismo, o desmembramento da sociedade civil e a destruição da infra-estrutura democrática. A pobreza resultante alimenta os extremistas e criou uma cultura de queixas e vitimização.
O desafio do confronto com os terroristas, que dispõem de uma vasta rede de apoio, é imenso; a incipiente democracia paquistanesa precisa de ajuda. Estamos na linha de frente da guerra contra o terrorismo.
Temos 150 mil soldados combatendo a Al Qaeda, o Taleban e seus aliados extremistas ao longo da fronteira com o Afeganistão. Quase 2.000 paquistaneses perderam suas vidas em ações terroristas apenas neste ano, entre os quais 1.400 civis e 600 integrantes de nossas forças de segurança, cujas patentes variavam de soldado raso a general de três estrelas. Houve mais de 600 incidentes relacionados a terrorismo no Paquistão neste ano. Os terroristas sofreram revezes devido às ações agressivas que empreendemos contra eles nas áreas tribais sob administração federal e nas regiões de maioria pashtun na fronteira com o Afeganistão. Cerca de 600 extremistas foram mortos em ataques recentes.
Compreendemos as considerações de política interna indianas depois dos ataques em Mumbai. Mesmo assim, acusações de cumplicidade da parte do Paquistão só complicam uma situação já complexa.
Para a Índia, o Paquistão e os EUA, a melhor resposta à carnificina em Mumbai é coordenar nossa reação ao flagelo do terrorismo. O mundo precisa agir para reforçar a economia e a democracia paquistanesa, nos ajudar a construir uma sociedade civil e nos fornecer capacidades policiais e de combate ao terrorismo.
Benazir Bhutto disse certa vez que a democracia é a melhor vingança contra os abusos da ditadura. No ambiente atual, reconciliação e reaproximação são a melhor vingança contra as forças sombrias que estão tentando provocar um confronto entre Paquistão e Índia e, em última análise, um choque de civilizações.


ASIF ALI ZARDARI é presidente do Paquistão e escreveu este artigo para o "New York Times"

Tradução de PAULO MIGLIACCI


Texto Anterior: Paquistão prende 20 por ataques
Próximo Texto: Zimbábue: União Africana descarta força contra Mugabe
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.