São Paulo, sábado, 11 de fevereiro de 2006

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IRAQUE SOB TUTELA

Para ex-alto funcionário da CIA, governo Bush privilegiou informação que apoiava sua intenção de ir à guerra

Casa Branca "selecionou" dados sobre Iraque

DAVID MORGAN
DA REUTERS, EM WASHINGTON

Um ex-funcionário da CIA que coordenou a inteligência dos EUA relativa ao Oriente Médio durante a invasão do Iraque acusou a Casa Branca de ter feito mau uso das informações obtidas antes da guerra para justificar seus argumentos em favor do ataque.
Paul Pillar, que foi o responsável nacional de inteligência para o Oriente Médio e o sul da Ásia de 2000 a 2005, também disse que o Comitê de Inteligência do Senado e uma comissão presidencial fizeram vista grossa para evidências de que o governo Bush politizou o processo de inteligência de modo a dar apoio aos setores da Casa Branca responsáveis pela formulação da política americana.
"As informações oficiais sobre os programas de armas iraquianas tiveram falhas, mas, mesmo com falhas, não foram elas que conduziram à guerra", escreveu Pillar em artigo escrito para a "Foreign Affairs". "Se todo o conjunto da análise feita das informações oficiais sobre o Iraque conduzia a uma conclusão política, essa conclusão era que se devia evitar a guerra -ou, se a guerra fosse travada, que nos preparássemos para um pós-guerra problemático."
Não foi possível contatar Pillar para que ele comentasse o artigo. Um porta-voz da CIA disse que Pillar expressou seu ponto de vista pessoal, e não a visão oficial da agência de espionagem.
A CIA e outras agências que compõem a comunidade de inteligência dos EUA têm sido criticadas por sua coleta de informações sobre o Iraque no pré-guerra, incluindo a alegação de que Saddam Hussein possuía armas de destruição em massa, que foi o principal argumento usado para justificar a guerra. Essas armas não foram achadas no Iraque.
Mas Pillar, analista de inteligência altamente respeitado que passou 28 anos na CIA, disse que, desde a invasão de 2003, já ficou claro que a Casa Branca não empregou as análises oficiais de inteligência para tomar até as mais importantes decisões na área de segurança nacional.
Em vez disso, ela usou uma abordagem de "selecionar dados a dedo", escolhendo informações brutas que pareciam mais favoráveis a suas afirmações sobre as armas de destruição em massa e o argumento de que existia vínculo entre o Iraque e a Al Qaeda.
A Casa Branca desprezou relatórios dos serviços de inteligência que diziam que o Iraque não seria um terreno fértil para a democracia e que falavam de um período pós-invasão longo e difícil, que exigiria um esforço do tipo de um Plano Marshall para reconstruir a economia do país, apesar de suas abundantes reservas petrolíferas.
Os relatórios também previam que a força de ocupação se tornaria alvo de ressentimento e de ataques, inclusive de guerrilheiros.
Pillar disse que o governo Bush politizou a inteligência sobre o Iraque ao pedir repetidas vezes mais material que contribuísse para seus argumentos em favor da guerra, tática que, segundo ele, levou os recursos de inteligência a serem empregados de maneira parcial em tópicos que favoreciam a posição da Casa Branca.
O Comitê Seleto do Senado para a Inteligência e a Comissão sobre Armas de Destruição em Massa concluíram que não existem evidências de que a Casa Branca tenha exercido pressão política.
"Mas o método de investigação usado pelos comitês -em essência, perguntar aos analistas se eles haviam sido pressionados- teria detectado apenas as tentativas mais grosseiras de politização", escreveu Pillar.


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