São Paulo, quarta-feira, 11 de fevereiro de 2009

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Singularidades turvam contraste entre direita e esquerda

DO ENVIADO A JERUSALÉM

Nas eleições israelenses de 1992, vencidas pelo trabalhista Yitzhak Rabin, o técnico em computação Eldad, 41, votou no partido de esquerda Meretz. Ontem, ao chegar à mesma sessão eleitoral de 17 anos atrás, numa escola secundária de Jerusalém, estava decidido a votar no ultranacionalista Avigdor Liberman.
Questionado sobre a guinada de um extremo ao outro, Eldad, judeu não-praticante, prefere lembrar o que os dois partidos têm em comum: a luta contra o monopólio religioso. Já que o processo de paz defendido pelo Meretz e por outros partidos de esquerda não deu resultado, a prioridade mudou.
"Andei um pouco para a direita em termos de segurança", admite Eldad, pedindo para omitir o sobrenome. "Mas já que o conflito com os árabes não tem solução à vista, pelo menos votando em Liberman tento conter a influência dos religiosos no país."
A trajetória do voto de Eldad é uma prova de que estabelecer divisões entre esquerda e direita em Israel é quase tão difícil quanto tentar demarcar as fronteiras do país. Na maioria dos países, mesmo após o fim da Guerra Fria, a definição se aplica às visões sócioeconômicas dos partidos, e o papel do Estado na sociedade.
Em Israel, entretanto, a divisão sempre foi baseada no conflito com os árabes: à esquerda, os que apoiam o processo de paz e que reconhecem que ele exige concessões territoriais; à direita, aqueles que consideram a segurança como prioridade e rejeitam a retirada dos territórios ocupados em 1967, na Guerra dos Seis Dias.
"Até 1967, a definição de direita e esquerda em Israel era mais próxima da usada no resto do mundo: como fazer o bolo [da economia] crescer, e, principalmente, como distribuí-lo", diz o cientista político Peter Medding, da Universidade de Jerusalém. "Mas o conflito redefiniu essa noção."
A economia também ajudou a embaralhar os conceitos. Dominado em suas primeiras três décadas pelo Mapai, força operária que se transformou no que é hoje o Partido Trabalhista, Israel passou por uma intensa transformação.
De uma sociedade de bem-estar social, com sindicatos fortes e intensa presença do Estado, para uma espécie de "capitalismo social", como define Medding. O livre mercado passou a dar as cartas, houve uma onda de privatizações que não poupou nem o banco dos operários, mas ainda cabe ao Estado prover os serviços básicos.

Gaza
Em termos políticos, a sociedade israelense parece ter caminhado para a direita nos últimos anos, uma impressão reforçada pelo maciço apoio à recente ofensiva em Gaza.
"Acho mais exato dizer que Israel se moveu para o centro", corrige o analista Avraham Diskin, citando o sucesso do partido centrista Kadima. "Há 20 anos era proibido no Likud, maior partido de direita, falar num Estado palestino, o que hoje é quase um consenso."
A complexidade de Israel também faz balançar a definição de ultradireitista para Liberman, que tem sido acusado de fascista por propostas como a aplicação de "testes de lealdade" aos cidadãos árabes do país.
Além de apoiar a solução de dois Estados para o conflito com os palestinos, ainda que em condições mais duras, Liberman se aproxima da esquerda ao defender o Estado laico e o alistamento de estudantes religiosos no Exército.
Essas e outras ideias contra o poder religioso, como a liberação da venda de carne de porco e a defesa do casamento civil em Israel, levaram o líder do Shas, maior partido ultraortodoxo do país e tradicional aliado da direita, a atacar duramente Liberman no início da semana. "Quem vota nele apoia o demônio", disse o rabino Ovadia Yosef.
No dia seguinte, numa clara resposta ao rabino, Liberman visitou o Muro das Lamentações, local mais sagrado para o judaísmo -e uma das poucas unanimidades entre direita, esquerda e centro em Israel.


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