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Singularidades turvam contraste entre direita e esquerda
DO ENVIADO A JERUSALÉM
Nas eleições israelenses de
1992, vencidas pelo trabalhista
Yitzhak Rabin, o técnico em
computação Eldad, 41, votou
no partido de esquerda Meretz.
Ontem, ao chegar à mesma sessão eleitoral de 17 anos atrás,
numa escola secundária de Jerusalém, estava decidido a votar no ultranacionalista Avigdor Liberman.
Questionado sobre a guinada
de um extremo ao outro, Eldad,
judeu não-praticante, prefere
lembrar o que os dois partidos
têm em comum: a luta contra o
monopólio religioso. Já que o
processo de paz defendido pelo
Meretz e por outros partidos de
esquerda não deu resultado, a
prioridade mudou.
"Andei um pouco para a direita em termos de segurança",
admite Eldad, pedindo para
omitir o sobrenome. "Mas já
que o conflito com os árabes
não tem solução à vista, pelo
menos votando em Liberman
tento conter a influência dos
religiosos no país."
A trajetória do voto de Eldad
é uma prova de que estabelecer
divisões entre esquerda e direita em Israel é quase tão difícil
quanto tentar demarcar as
fronteiras do país. Na maioria
dos países, mesmo após o fim
da Guerra Fria, a definição se
aplica às visões sócioeconômicas dos partidos, e o papel do
Estado na sociedade.
Em Israel, entretanto, a divisão sempre foi baseada no conflito com os árabes: à esquerda,
os que apoiam o processo de
paz e que reconhecem que ele
exige concessões territoriais; à
direita, aqueles que consideram a segurança como prioridade e rejeitam a retirada dos
territórios ocupados em 1967,
na Guerra dos Seis Dias.
"Até 1967, a definição de direita e esquerda em Israel era
mais próxima da usada no resto
do mundo: como fazer o bolo
[da economia] crescer, e, principalmente, como distribuí-lo",
diz o cientista político Peter
Medding, da Universidade de
Jerusalém. "Mas o conflito redefiniu essa noção."
A economia também ajudou
a embaralhar os conceitos. Dominado em suas primeiras três
décadas pelo Mapai, força operária que se transformou no
que é hoje o Partido Trabalhista, Israel passou por uma intensa transformação.
De uma sociedade de bem-estar social, com sindicatos fortes e intensa presença do Estado, para uma espécie de "capitalismo social", como define
Medding. O livre mercado passou a dar as cartas, houve uma
onda de privatizações que não
poupou nem o banco dos operários, mas ainda cabe ao Estado prover os serviços básicos.
Gaza
Em termos políticos, a sociedade israelense parece ter caminhado para a direita nos últimos anos, uma impressão reforçada pelo maciço apoio à recente ofensiva em Gaza.
"Acho mais exato dizer que
Israel se moveu para o centro",
corrige o analista Avraham Diskin, citando o sucesso do partido centrista Kadima. "Há 20
anos era proibido no Likud,
maior partido de direita, falar
num Estado palestino, o que
hoje é quase um consenso."
A complexidade de Israel
também faz balançar a definição de ultradireitista para Liberman, que tem sido acusado
de fascista por propostas como
a aplicação de "testes de lealdade" aos cidadãos árabes do país.
Além de apoiar a solução de
dois Estados para o conflito
com os palestinos, ainda que
em condições mais duras, Liberman se aproxima da esquerda ao defender o Estado laico e
o alistamento de estudantes religiosos no Exército.
Essas e outras ideias contra o
poder religioso, como a liberação da venda de carne de porco
e a defesa do casamento civil
em Israel, levaram o líder do
Shas, maior partido ultraortodoxo do país e tradicional aliado da direita, a atacar duramente Liberman no início da
semana. "Quem vota nele apoia
o demônio", disse o rabino Ovadia Yosef.
No dia seguinte, numa clara
resposta ao rabino, Liberman
visitou o Muro das Lamentações, local mais sagrado para o
judaísmo -e uma das poucas
unanimidades entre direita, esquerda e centro em Israel.
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