|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
ANÁLISE
EUA se enganaram sobre a Rússia
MICHAEL WINES
DO "THE NEW YORK TIMES", EM MOSCOU
Depois do anúncio russo de que
vetará uma resolução da ONU
que autorize a invasão do Iraque,
especialistas e políticos russos estão dizendo que a Casa Branca errou na avaliação de sua capacidade de pressionar o Kremlin a
apoiar uma guerra que Moscou
teme ser desastrosa para a Rússia.
Alguns atribuem o erro de interpretação à suposta "arrogância" americana. Além disso, sugerem que já estava mais do que na
hora de os EUA ouvirem um
"não", depois de anos em que
passaram indiferentes por cima
das objeções de Moscou a assuntos como a guerra aérea da Otan
contra a Iugoslávia, o descarte do
Tratado contra os Mísseis Balísticos, de 1972, a ampliação da Otan
e os postulados básicos de um
pacto de armas nucleares que a
Rússia assinou a contragosto.
Entretanto, em contraste com
os anos 1990, quando os tropeços
dos EUA poderiam provocar numa superpotência que passava
por momentos difíceis algumas
reações de prazer diante da desgraça alheia, hoje poucos estão
contentes com a rejeição ao ""parceiro americano" do presidente
Vladimir Putin. Há um clima de
receio visível de que a guerra, vista
como inevitável, prejudicará seriamente tanto a posição americana no mundo quanto a unidade
ocidental, ambas em detrimento
da Rússia. E existe o temor de que
a guerra possa suscitar o surgimento de uma nova onda de terroristas islâmicos ansiosos por
golpear o Ocidente e a Rússia.
"A Rússia não vai se beneficiar
com o erro da América", disse o
influente Sergei Rogov, diretor do
Instituto de Estudos EUA-Canadá. "A prioridade principal da
Rússia é a integração com a comunidade ocidental. Sua divisão
profunda não nos ajudará."
A Casa Branca tinha indicado
que uma demonstração de apoio
da Rússia seria recompensada generosamente em diversas frentes,
do conflito na Tchetchênia às relações comerciais bilaterais.
Mas Rogov e outros especialistas russos dizem que o Kremlin
decidiu que o cálculo cuidadoso
de seus interesses dita a necessidade de a Rússia tomar o lado antiguerra de França e Alemanha.
Mais uma vez a economia é um
fator-chave, mas que não age necessariamente a favor de Washington. Em termos monetários,
a Europa ganha dos EUA com facilidade: o volume das trocas comerciais russas com a Alemanha
apenas já é igual ao comércio com
os EUA, e a maior empresa russa,
a estatal Gazprom, fornece uma
parcela considerável do gás natural consumido na Europa.
Na visão de Rogov e de outros, a
idéia de que a Rússia possa ser seduzida com incentivos financeiros ou obrigada a submeter-se
com a promessa de castigos não
só é grosseira, mas exagerada.
"E se a Rússia não apoiar a entrada dos EUA no Iraque? O que
os EUA farão? Vão parar de cooperar com a Rússia no Afeganistão? Vão parar de comprar petróleo? Os EUA já não compram petróleo russo. A idéia de que a Rússia possa ser punida de alguma
maneira por discordar dos EUA
-bem, ninguém vai impor sanções à França", comentou Rogov.
"O que eu vejo em Washington é
uma espécie de ressaca resultante
da enorme arrogância que dominou seu discurso."
Não obstante, as preocupações
da Rússia com o conflito do Iraque, conforme especialistas em
Moscou, vão muito além do problema dos contratos de exploração de petróleo ou das relações
comerciais com os EUA.
A popularidade de Putin parece
ser à prova de fogo. Mas quase
90% dos russos se opõem à guerra
no Iraque, e 10% são muçulmanos. A experiência difícil de Moscou na Tchetchênia deixou a Rússia com medo de apoiar uma
guerra islâmica que poderia inflamar ainda mais seus próprios
problemas domésticos.
Texto Anterior: Francês não vê ameaça às relações com os EUA Próximo Texto: ONU tem prova contra Iraque, dizem EUA Índice
|