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São Paulo, terça-feira, 11 de março de 2003

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ANÁLISE

EUA se enganaram sobre a Rússia

MICHAEL WINES
DO "THE NEW YORK TIMES", EM MOSCOU

Depois do anúncio russo de que vetará uma resolução da ONU que autorize a invasão do Iraque, especialistas e políticos russos estão dizendo que a Casa Branca errou na avaliação de sua capacidade de pressionar o Kremlin a apoiar uma guerra que Moscou teme ser desastrosa para a Rússia.
Alguns atribuem o erro de interpretação à suposta "arrogância" americana. Além disso, sugerem que já estava mais do que na hora de os EUA ouvirem um "não", depois de anos em que passaram indiferentes por cima das objeções de Moscou a assuntos como a guerra aérea da Otan contra a Iugoslávia, o descarte do Tratado contra os Mísseis Balísticos, de 1972, a ampliação da Otan e os postulados básicos de um pacto de armas nucleares que a Rússia assinou a contragosto.
Entretanto, em contraste com os anos 1990, quando os tropeços dos EUA poderiam provocar numa superpotência que passava por momentos difíceis algumas reações de prazer diante da desgraça alheia, hoje poucos estão contentes com a rejeição ao ""parceiro americano" do presidente Vladimir Putin. Há um clima de receio visível de que a guerra, vista como inevitável, prejudicará seriamente tanto a posição americana no mundo quanto a unidade ocidental, ambas em detrimento da Rússia. E existe o temor de que a guerra possa suscitar o surgimento de uma nova onda de terroristas islâmicos ansiosos por golpear o Ocidente e a Rússia.
"A Rússia não vai se beneficiar com o erro da América", disse o influente Sergei Rogov, diretor do Instituto de Estudos EUA-Canadá. "A prioridade principal da Rússia é a integração com a comunidade ocidental. Sua divisão profunda não nos ajudará."
A Casa Branca tinha indicado que uma demonstração de apoio da Rússia seria recompensada generosamente em diversas frentes, do conflito na Tchetchênia às relações comerciais bilaterais.
Mas Rogov e outros especialistas russos dizem que o Kremlin decidiu que o cálculo cuidadoso de seus interesses dita a necessidade de a Rússia tomar o lado antiguerra de França e Alemanha.
Mais uma vez a economia é um fator-chave, mas que não age necessariamente a favor de Washington. Em termos monetários, a Europa ganha dos EUA com facilidade: o volume das trocas comerciais russas com a Alemanha apenas já é igual ao comércio com os EUA, e a maior empresa russa, a estatal Gazprom, fornece uma parcela considerável do gás natural consumido na Europa.
Na visão de Rogov e de outros, a idéia de que a Rússia possa ser seduzida com incentivos financeiros ou obrigada a submeter-se com a promessa de castigos não só é grosseira, mas exagerada.
"E se a Rússia não apoiar a entrada dos EUA no Iraque? O que os EUA farão? Vão parar de cooperar com a Rússia no Afeganistão? Vão parar de comprar petróleo? Os EUA já não compram petróleo russo. A idéia de que a Rússia possa ser punida de alguma maneira por discordar dos EUA -bem, ninguém vai impor sanções à França", comentou Rogov. "O que eu vejo em Washington é uma espécie de ressaca resultante da enorme arrogância que dominou seu discurso."
Não obstante, as preocupações da Rússia com o conflito do Iraque, conforme especialistas em Moscou, vão muito além do problema dos contratos de exploração de petróleo ou das relações comerciais com os EUA.
A popularidade de Putin parece ser à prova de fogo. Mas quase 90% dos russos se opõem à guerra no Iraque, e 10% são muçulmanos. A experiência difícil de Moscou na Tchetchênia deixou a Rússia com medo de apoiar uma guerra islâmica que poderia inflamar ainda mais seus próprios problemas domésticos.


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