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São Paulo, sexta-feira, 11 de abril de 2003

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Forças americanas ignoram saques

ROBERT FISK
DO "INDEPENDENT", EM BAGDÁ

Foi o dia do saqueador. Eles devastaram a embaixada alemã, e jogaram a escrivaninha do embaixador no jardim. Resgatei a bandeira da União Européia em uma poça d'água em frente ao setor de vistos, enquanto uma multidão de sujeitos de meia-idade, mulheres usando chadors e crianças vasculhava o escritório do cônsul e arremessava discos de Mozart e livros de história da Alemanha de uma janela do segundo piso.
Na sede local da Unicef, ladrões tomaram o edifício de assalto, jogando fotocopiadoras umas contra as outras e espalhando arquivos da ONU pelos corredores.
Os americanos podem crer que "libertaram" Bagdá, mas as dezenas de milhares de ladrões que estão à solta na cidade parecem ter uma idéia diferente quanto ao significado de liberdade. E a situação representa uma séria violação das convenções de Genebra. Como potência ocupante, cabe aos EUA a responsabilidade de proteger embaixadas e escritórios da ONU, mas ontem, soldados americanos passavam em seus veículos pela embaixada alemã enquanto os saqueadores removiam escrivaninhas pelos portões da frente.
Compreensivelmente, os oprimidos se vingaram nas casas dos homens de Saddam Hussein, os quais destruíram as vidas dos iraquianos por duas décadas.
Vi famílias vasculharem a casa de Ibrahim al Hassan, meio-irmão de Saddam e ex-ministro do Interior, a de um ex-ministro da Defesa, a de Saadun Shakr, um dos assessores de segurança mais próximos de Saddam, e a de Ali Hussein Majid, o "Ali Químico", responsável por ataques com gás mostarda contra os curdos, morto em Basra na semana passada.
Do outro lado da ponte Saddam, vi um caminhão lotado de cadeiras com dois cachorros brancos que pertenciam a Qusay, filho de Saddam, trotando, amarrados por cordas. Pela cidade, avistei quatro cavalos de Saddam, entre eles o garanhão branco que usado em retratos presidenciais, serem embarcados em trailers.
Os ministérios tiveram seus arquivos, computadores, mobília e carros destruídos ou levados.
É difícil ser moralista quanto ao espólio dos sequazes de Saddam, mas de que maneira o governo dos EUA espera que o "Novo Iraque" funcione com a propriedade do Estado foi saqueada a esse ponto? E o exército de "libertação" dos EUA já começa a se parecer com um exército de ocupação.
Ontem, vi centenas de civis iraquianos em fila para cruzar uma ponte em Doura, e todos os homens eram instruídos por soldados americanos a levantar a camisa e abaixar as calças para provar que não eram terroristas suicidas.
Após um tiroteio na região de Adamiya durante a manhã, um atirador americano, sentado diante do palácio, feriu três civis em um carro que não parou ao ser solicitado, e a seguir matou um homem que saíra à varanda para descobrir de onde vinham os tiros. Minutos depois, o atirador matou o motorista de outro carro e feriu dois passageiros.
No subúrbio de Doura, corpos de civis iraquianos, muitos deles mortos por tropas americanas em batalha dias atrás, continuam a apodrecer em seus carros calcinados. E ontem foi só o segundo dia da "libertação" de Bagdá.


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