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São Paulo, sexta-feira, 11 de abril de 2003

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RESULTADOS

Para o historiador Paul Kennedy, potência militar permanecerá dominante a médio prazo

"Nenhum país pode fazer frente aos EUA"


"O êxito militar e a facilidade com que foi obtido confirmam, para pessoas como Rumsfeld, que os EUA tinham razão desde o início. Isso só dificulta a tarefa de quem defende a moderação."


CORINE LESNES
DO "LE MONDE", EM NOVA YORK

Os resultados da guerra no Iraque até aqui "superaram as expectativas" do presidente dos EUA, George W. Bush, e do secretário da Defesa, Donald Rumsfeld, diz o historiador inglês Paul Kennedy, diretor do Instituto de Estudos sobre a Segurança Internacional da Universidade Yale e autor do já clássico "Ascensão e Queda das Grandes Potências", de 88 (ed. Campus), onde previa o declínio do império americano.
Mas ele diz que "a curto prazo, nenhum país pode fazer frente aos EUA" e que "o país continuará a ser uma potência militarmente dominante a médio prazo".
Ele acha difícil um compromisso no pós-guerra entre os EUA e Reino Unido, de um lado, e Rússia, França e Alemanha, de outro, porque os últimos estariam assumindo posições pouco realistas.
 

Pergunta - A queda de Saddam Hussein representa a vitória dos "falcões" americanos? Dos partidários do império?
Paul Kennedy -
Os resultados, até agora, superaram as esperanças de Bush ou Rumsfeld. Você conhece o político inglês [Benjamin] Disraeli (1804-1881). Ele dizia que uma semana, na política, é muito tempo.
Uma semana atrás, todo o mundo criticava a operação militar. De repente, o quadro mudou de maneira espetacular. É claro que neste momento o império americano parece estar mais forte e convincente do que nunca. O público americano vai ficar simplesmente maravilhado com o baixo número de vítimas. As imagens dos iraquianos entusiasmados têm uma importância enorme para Bush.
O êxito militar e a facilidade com que foi obtido não podem deixar de confirmar, para pessoas como Rumsfeld, a idéia de que eles tinham razão desde o início. E isso só pode dificultar ainda mais a tarefa de pessoas como o secretário de Estado, Colin Powell, ou o primeiro-ministro britânico, Tony Blair, de defender a moderação e o retorno à ONU.

Pergunta - Veremos um acordo quanto ao pós-guerra?
Kennedy -
Será muito difícil. Estamos assistindo ao espetáculo um tanto quanto triste das manobras do presidente francês, Jacques Chirac, de seu colega russo, Vladimir Putin, e do premiê alemão, Gerhard Schröder. Quatro dias após a entrevista que Bush e Blair na Irlanda do Norte, Chirac, Putin e Schröder estão juntos em São Petersburgo.
Temos o direito de perguntar: quem está em contato com a realidade? Chirac declarou que o futuro do Iraque não pode ser decidido por um ou dois países. Do ponto de vista do sentimento político, ele tem razão. Mas como ficam as coisas no mundo real? Sua posição não é realista, e isso vem apenas confirmar a opinião de Rumsfeld, Paul Wolfowitz (subsecretário da Defesa dos EUA) e do vice-presidente Dick Cheney de que, se eles submeterem a questão do Iraque ao Conselho de Segurança mais uma vez, serão novamente ameaçados com o veto.

Pergunta - Os EUA ingressaram numa nova era?
Kennedy -
Há elementos novos. O governo de Bush é mais ideológico e mais nacionalista que o de Clinton. Ele é fortemente influenciado pela religião e pelas convicções dos fundamentalistas do sul do país. Também há um ressurgimento do orgulho americano. Nenhum político pode criticar as Forças Armadas.
Ao mesmo tempo, as pesquisas de opinião mostram que a maioria dos americanos gostaria que o país não agisse sozinho, mas com aliados. O resultado é que os verdadeiros ideólogos conservadores que gostariam de transformar o Oriente Médio -alguns dos quais, como Michael Rubin [pesquisador do Instituto American Enterprise], querem que, depois de conquistar o Iraque, os EUA ataquem o Irã- são refreados pela influência de Powell ou pelo mal-estar da opinião pública.

Pergunta - Isso coloca em xeque sua teoria da decadência inevitável da potência americana?
Kennedy -
Não a longo prazo. Os EUA se beneficiaram de um conjunto de fenômenos imprevistos: a desintegração da União Soviética, que aliviou as pressões sobre o orçamento, a estagnação da economia japonesa e, nos anos 90, o aumento sem precedentes na produtividade americana. Assim, eles puderam arcar com esse grande orçamento militar.
Quando a crise iraquiana se manifestou, Bush contava com trunfos fortes. Mas a economia se enfraqueceu rapidamente. Essa tese do declínio inevitável continua valendo. A Espanha decaiu durante 200 anos. A mesma coisa aconteceu com o império britânico, cujo fim os escritores já previam desde 1860-1870. Hoje os EUA têm 5% da população, 30% da economia e 50% das despesas militares do mundo.

Pergunta - Podemos prever que um país que tem menos de 5% da população mundial continue para sempre a ser uma superpotência?
Kennedy -
A resposta de longo prazo é não. A curto prazo, porém, nenhum país pode fazer frente aos EUA. E o país vai continuar a ser uma potência militarmente dominante a médio prazo.
A guerra no Iraque mostrou que quem não possui poderio aéreo não vence uma guerra. Nenhuma potência pôde se manter no auge por muito tempo, nem mesmo Roma. Mas é preciso reconhecer que os EUA não têm rival.


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