São Paulo, terça-feira, 11 de abril de 2006

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

ANÁLISE

Por que os EUA não acertam quando o tema é imigração

MICHELE WUCKER
ESPECIAL PARA A FOLHA

Na última semana, enquanto discutiam um polêmico projeto de reforma das leis de imigração, vários senadores americanos se sentiram obrigados a lembrar que também eles eram descendentes de imigrantes. Ao mesmo tempo em que uma minoria pede em voz alta a construção de cercas nas fronteiras, ai de qualquer político que deixar de render homenagem à história dos EUA como país feito de imigrantes. Pois essa discussão se baseia mais em discursos retóricos do que em fatos.
Emoções que oscilam loucamente são a razão pela qual o Senado deixou de consumar um acordo que foi anunciado com euforia, apenas para desabar no dia seguinte. Isso não é surpresa. A história dos EUA com seus imigrantes já envolveu políticas que freqüentemente passam de um extremo a outro e têm resultados opostos aos pretendidos.
Após a grande onda de imigração ocorrida entre 1880 e 1920, o Congresso reduziu as cotas de imigração, provocando uma queda drástica no fluxo de imigrantes. Em 1965, uma nova reforma escancarou as portas do país a tal ponto que o aumento dramático na imigração ameaçou recriar a crise demográfica que provocara o fechamento das portas em 1920.
Em 1986, a Lei de Reforma e Controle da Imigração procurou enfrentar o novo aumento da população, oferecendo uma anistia a quase 3 milhões de imigrantes e supostamente impondo penalidades às empresas que empregassem trabalhadores ilegais, "cientes de que o estavam fazendo". Mas a lei foi aprovada apenas porque incluía brechas.
O resultado foi uma nova população de 11 milhões de imigrantes sem documentos, além de um clamor antiimigrante que supera qualquer coisa ouvida em quase um século. Culpando os imigrantes por tudo, publicações foram criadas com o único objetivo de defender o fechamento das portas do país. Livros que avisavam que os imigrantes ameaçavam destruir a sociedade americana se tornaram best-sellers. E políticos aproveitaram para promover leis mesquinhas e pouco práticas.
Em dezembro a Câmara dos Deputados aprovou uma lei que focaliza só a aplicação da política de imigração e que teria garantido o financiamento de uma barreira de 1.116 quilômetros na fronteira. A nova lei criminalizaria não apenas os imigrantes não autorizados, mas também aqueles que lhes oferecem ajuda humanitária.
Ao tentar reparar o sistema de imigração desconjuntado, o acordo no Senado manteve alguns dos dispositivos duros da lei, como o que determina que ser imigrante ilegal constitui ofensa não só cível, mas criminal. Mas, de maneira sábia, também teria criado um caminho para a legalização e eventual aquisição da cidadania por imigrantes ilegais que vivem nos EUA há pelo menos cinco anos e que obedecem a certas restrições.
No entanto, assim que um grupo de senadores de ambos os partidos anunciou o acordo, as discordâncias começaram. Alguns senadores se posicionaram contra qualquer proposta que envolva algum tipo de "anistia", mesmo a legalização "conquistada". Nesse ambiente envenenado, muitos políticos temem ser rotulados de "brandos em relação à imigração"- mesmo que isso signifique que sua adoção de uma postura de linha dura crie mais problemas do que os que resolve.
Os EUA não param de errar com a imigração porque adotam políticas baseadas na emoção, que nos deixam cegos aos nossos próprios interesses. Os políticos e o público se deixam levar por princípios elevados, mesmo quando as políticas que traçamos em nome do patriotismo e da nação americana, quando levadas a extremos, enfraquecem os próprios princípios. Se os EUA quiserem acertar com a imigração, precisam trazer a discussão para fora do âmbito dos extremistas e buscar soluções práticas. Foi isso o que o Senado procurou fazer na semana passada. Embora a história não nos aponte uma perspectiva encorajadora, só nos resta esperar que os pragmáticos prevaleçam sobre os esquentados.


Michele Wucker, do Instituto de Políticas Mundiais, em Nova York, é autora de "Lockout: Why America Keeps Getting Immigration Wrong When Our Prosperity Depends on Getting It Right" (lockout: por que a América não pára de errar com a imigração, quando nossa prosperidade depende do acerto), que será lançado no mês que vem nos EUA.

Tradução de Clara Allain


Texto Anterior: Ignorados pelo Censo, brasileiros aderem a protesto
Próximo Texto: Panorâmica - Tragédia 1: Cerca de 120 pessoas desaparecem após acidente de barco em lago de Gana
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.