São Paulo, domingo, 11 de abril de 2010

Texto Anterior | Índice

Inferno de presos é um paraíso para soldados dos EUA

Comparado a lugares como o Iraque, Guantánamo é quase um resort para os militares americanos, que disputam vagas

Base militar mais antiga dos EUA tem em volta pequena cidade com redes de fast food e cinema, além de belas praias do Caribe


DA ENVIADA A GUANTÁNAMO

A poucos quilômetros da prisão-símbolo da "guerra ao terror" dos EUA, um bronzeado sargento do Exército americano de 27 anos diz sem pestanejar: "Estou no paraíso". Ainda que Guantánamo evoque imagens de tortura e arbitrariedade em boa parte do mundo, para os soldados, a base também é sinônimo de tranquilidade, verão o ano inteiro e belas praias. Guantánamo é a mais antiga base americana no exterior, com operações desde 1903. Hoje, abriga uma cidade de cerca de 3.000 pessoas, a maior parte membros da Marinha dos EUA com tarefas não vinculadas a prisioneiros ou tribunais.
Oficialmente, a principal missão de Guantánamo é servir como base estratégica para a Frota do Atlântico dos EUA. Também são realizadas operações de controle do tráfico de drogas no Caribe.
O destacamento é disputado devido às condições que o sargento descreve como "ótimas": "É parecido com um alojamento universitário. Basta botar os pés para fora de casa para encontrar amigos. Minha mulher pode vir me visitar. Faço aulas de vela, e a água do mar é a mais linda que já vi".
O sargento que conversou com a Folha passou 15 meses em Bagdá antes vir à ilha, o que certamente ajuda na perspectiva. Outra moradora do local, uma capitã da Aeronáutica que está nas Forças Armadas há 21 anos, concorda que, "para um destacamento, este aqui é realmente ótimo". "Estive na Somália nos anos 90, onde vi colegas serem mortos enquanto faziam jogging. Aqui não tem ninguém atirando em você."

McDonald's
Comparado a Iraque e Somália, Guantánamo é quase um resort para os militares. Há um campo de golfe, academias bem equipadas, aulas de vela e mergulho. No cinema drive-in, os filmes exibidos são recém-lançados -"Alice no País das Maravilhas", de Tim Burton, está em cartaz.
Há várias redes de fast food. Lá está o único McDonald's de Cuba, ao lado de um Subway's e de um Pizza Hut. Também não faltam opções de restaurantes subsidiados, como o jamaicano Jerk House, onde é possível consumir uma refeição completa por US$ 7,25 ao som de reggae e com vista para o mar. Bares também são subsidiados -até o álcool é mais barato.
Esse é outro privilégio de Guantánamo: quando estão no Iraque e no Afeganistão, os militares não podem consumir bebidas alcoólicas nem mesmo nas horas de folga.
Os alimentos consumidos na ilha são trazidos dos EUA. A eletricidade é produzida em geradores a diesel, complementados por torres de energia eólica (que fornecem 15% a 20% do total de mais de 800 mil kw/hora diários). A água é dessalinizada em plantas locais -13 milhões de litros por dia. Para beber, porém, só mineral.
Mesmo com todas as distrações, não é possível esquecer o que acontece na ilha. O centro de detenção é afastado da cidade, mas radares nas montanhas, torres de observação e tribunais cercados por enormes arames farpados rasgam a visão da ilha tropical. Ainda assim, indagados sobre
o lado ruim de Guantánamo, militares se limitam a citar uma leve sensação de confinamento (a base tem 116 km2), o calor e a lentidão da internet. O sargento conta que acaba de pedir renovação de seu destacamento. Foi atendido: poderá velejar por mais um ano. (ANDREA MURTA)

Ouça podcast de Andrea Murta sobre Guantánamo

www.folha.com.br/101003



Texto Anterior: Durante visita, jornalistas têm cada passo vigiado por militares
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.