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Inferno de presos é um paraíso para soldados dos EUA
Comparado a lugares como o Iraque, Guantánamo é quase
um resort para os militares americanos, que disputam vagas
Base militar mais antiga dos
EUA tem em volta pequena
cidade com redes de fast
food e cinema, além de
belas praias do Caribe
DA ENVIADA A GUANTÁNAMO
A poucos quilômetros da prisão-símbolo da "guerra ao terror" dos EUA, um bronzeado
sargento do Exército americano de 27 anos diz sem pestanejar: "Estou no paraíso". Ainda
que Guantánamo evoque imagens de tortura e arbitrariedade em boa parte do mundo, para os soldados, a base também é
sinônimo de tranquilidade, verão o ano inteiro e belas praias.
Guantánamo é a mais antiga
base americana no exterior,
com operações desde 1903. Hoje, abriga uma cidade de cerca
de 3.000 pessoas, a maior parte
membros da Marinha dos EUA
com tarefas não vinculadas a
prisioneiros ou tribunais.
Oficialmente, a principal missão
de Guantánamo é servir como
base estratégica para a Frota do
Atlântico dos EUA.
Também são realizadas operações de controle do tráfico de
drogas no Caribe.
O destacamento é disputado
devido às condições que o sargento descreve como "ótimas":
"É parecido com um alojamento universitário. Basta botar os
pés para fora de casa para encontrar amigos. Minha mulher
pode vir me visitar. Faço aulas
de vela, e a água do mar é a mais
linda que já vi".
O sargento que conversou
com a Folha passou 15 meses
em Bagdá antes vir à ilha, o que
certamente ajuda na perspectiva. Outra moradora do local,
uma capitã da Aeronáutica que
está nas Forças Armadas há 21
anos, concorda que, "para um
destacamento, este aqui é realmente ótimo". "Estive na Somália nos anos 90, onde vi colegas serem mortos enquanto faziam jogging. Aqui não tem
ninguém atirando em você."
McDonald's
Comparado a Iraque e Somália, Guantánamo é quase um resort para os militares. Há um
campo de golfe, academias bem
equipadas, aulas de vela e mergulho. No cinema drive-in, os
filmes exibidos são recém-lançados -"Alice no País das Maravilhas", de Tim Burton, está
em cartaz.
Há várias redes de fast food.
Lá está o único McDonald's de
Cuba, ao lado de um Subway's e
de um Pizza Hut. Também não
faltam opções de restaurantes
subsidiados, como o jamaicano
Jerk House, onde é possível
consumir uma refeição completa por US$ 7,25 ao som de
reggae e com vista para o mar.
Bares também são subsidiados -até o álcool é mais barato.
Esse é outro privilégio de
Guantánamo: quando estão no
Iraque e no Afeganistão, os militares não podem consumir
bebidas alcoólicas nem mesmo
nas horas de folga.
Os alimentos consumidos na
ilha são trazidos dos EUA. A
eletricidade é produzida em geradores a diesel, complementados por torres de energia eólica
(que fornecem 15% a 20% do
total de mais de 800 mil kw/hora diários). A água é dessalinizada em plantas locais -13 milhões de litros por dia. Para beber, porém, só mineral.
Mesmo com todas as distrações, não é possível esquecer o
que acontece na ilha. O centro
de detenção é afastado da cidade, mas radares nas montanhas, torres de observação e
tribunais cercados por enormes arames farpados rasgam a
visão da ilha tropical.
Ainda assim, indagados sobre
o lado ruim de Guantánamo, militares se limitam a citar
uma leve sensação de confinamento (a base tem 116 km2), o
calor e a lentidão da internet. O
sargento conta que acaba de
pedir renovação de seu destacamento. Foi atendido: poderá
velejar por mais um ano.
(ANDREA MURTA)
Ouça podcast de Andrea
Murta sobre Guantánamo
www.folha.com.br/101003
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