São Paulo, terça-feira, 11 de maio de 2004

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Atos ferem Convenções de Genebra

MÁRCIO SENNE DE MORAES
DA REDAÇÃO

Os abusos impostos aos detidos na prisão de Abu Ghraib, segundo as fotografias reveladas recentemente, são uma violação clara às leis internacionais de guerra e constituem uma "vergonha" para um país que prega a propagação da democracia, de acordo com especialistas em direito internacional consultados pela Folha.
"Os atos mostrados nas fotos são completamente contrários à Terceira Convenção de Genebra, que enfatiza não apenas que os prisioneiros de guerra não devem sofrer abusos mas também que eles merecem ser tratados com respeito. Isso se baseia no fato de que os prisioneiros de guerra não são criminosos, mas combatentes que foram retirados do campo de batalha", explicou Allan Ryan, da Universidade Harvard (EUA).
Assim, privar prisioneiros de roupas, de alimentação e de tratamento médico para "facilitar os interrogatórios" é "uma transgressão irrefutável às leis internacionais de guerra", que entraram em vigor após a Segunda Guerra.
No que tange a interrogatórios, ademais, a Terceira Convenção de Genebra estabelece que os prisioneiros de guerra são obrigados a revelar apenas seus nomes, sua posição nas Forças Armadas e seu número de registro militar.
"Se não quiserem dizer mais nada, os prisioneiros de guerra não poderão ser compelidos a fazê-lo. Isso constituiria outra violação às leis internacionais", analisou Christopher Joyner, da Universidade de Georgetown (EUA).
Ryan lembrou que, como já ocorre com os estrangeiros detidos na base de Guantánamo (Cuba), muitos dos presos de Abu Ghraib podem ser vistos pelas autoridades americanas como "inimigos combatentes". O especialista ressaltou, todavia, que, mesmo assim, o tratamento reservado a certos prisioneiros não é permitido por leis internacionais.
"A tortura não é autorizada em nenhum caso. Não importa se se trata de prisioneiros de guerra, de pessoas de "alto valor estratégico" por conta das informações que podem revelar ou de presos comuns", avaliou Ryan.
Joyner salientou ainda que o fato de pessoas de "alto valor estratégico" e prisioneiros de guerra serem mantidos ao lado de presos comuns em Abu Ghraib também constitui uma transgressão à Terceira Convenção de Genebra.
"Cada tipo de prisioneiro deveria ficar detido num lugar diferente. E as pessoas de "alto valor estratégico", como Washington as define, também só são obrigadas a revelar seu nome, sua posição e seu registro", afirmou Joyner.
Segundo os especialistas, os responsáveis pelos abusos e seus superiores deverão ser punidos individualmente, mas nenhuma lei prevê que os EUA possam receber uma punição internacional. "Só instâncias políticas, como o Conselho de Segurança da ONU, poderiam punir o país", disse Ryan.
Como os americanos têm poder de veto no CS, trata-se de uma possibilidade apenas teórica. Afinal, na prática, nenhuma sanção aos EUA deixaria de ser vetada.
O Tribunal Penal Internacional também não poderia ser acionado mesmo que os EUA fizessem parte do órgão. O TPI só é acionado quando a Justiça do país envolvido se recusa a investigar o ocorrido, o que não é o caso nos EUA.


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