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SUCESSÃO NOS EUA / ARTIGO
Por que a "liga democrática" de McCain é uma idéia ruim
Proposta, que visa isolar "autocracias", pode na verdade impedir cooperação em questões que interessam aos Estados Unidos; Europa vê iniciativa com desdém
GIDEON RACHMAN
DO "FINANCIAL TIMES"
Todos esperam que presidentes americanos tenham
grandes idéias sobre o mundo:
uma "nova fronteira", uma
"aliança pelo progresso", uma
"guerra contra o terrorismo".
Infelizmente para o Partido
Democrata, a grande idéia que
mais anima seus dois potenciais presidentes, Barack Obama e Hillary Clinton, parece ser
a da destruição mutuamente
assegurada.
Isso deixa campo aberto para
o senador John McCain. O republicano é o único candidato a
defender uma idéia nova e notável sobre o papel dos EUA no
mundo. E o mundo deveria
prestar atenção, já que as chances de que ele conquiste a Presidência crescem a cada dia.
A grande idéia de McCain é a
formação de uma "liga das democracias", cujo cerne seriam
os EUA. Em discurso recente
em Los Angeles, ele delineou
um plano para "aglutinar o
imenso poder de mais de cem
democracias". Não era apenas
um conceito vago usado para
preencher um vazio no discurso. McCain vem insistindo sobre a "liga das democracias" há
mais de um ano.
Em discurso na Hoover Institution, no ano passado, ele
ofereceu alguns exemplos concretos do que essa liga poderia
fazer. Essencialmente, ela parece ser um meio para contornar as Nações Unidas.
A liga poderia patrocinar
uma intervenção em Darfur, ou
"exercer pressão coordenada
contra os tiranos da Birmânia
ou Zimbábue, com ou sem a
aprovação de Moscou e de Pequim". Poderia ainda "se unir
para impor sanções ao Irã". Ele
prometeu convocar uma conferência de cúpula das democracias em seu primeiro ano na
Casa Branca e comparou a formação da liga à criação da Otan
(Organização para o Tratado do
Atlântico Norte).
O apoio de McCain a uma liga
de democracias significa que isso foi rotulado como uma idéia
de direita. Mas variantes dessa
idéia já atraíram o apoio da esquerda. O Projeto de Segurança
Nacional da Universidade Princeton -apoiado por muitos
acadêmicos esquerdistas-
promove a idéia de um "concerto de democracias". Ivo Daalder, assessor de Obama, também já defendeu a idéia.
Profecia auto-realizável
Mas os principais candidatos
democratas se mantiveram
cuidadosamente neutros. Em
contraste, McCain abraçou a
idéia como se fosse sua. Caso
ele chegue à Casa Branca, pode
vir a lastimar essa escolha. Embora a idéia tenha atrativos, ela
oferece alguns perigos óbvios.
O primeiro problema é que a
liga exacerbaria as tensões com
a Rússia e China. Robert Kagan,
assessor de McCain, argumenta que essas tensões já existem.
De fato, Rússia e China ocasionalmente agem como uma liga
de autocracias, protegendo
maus governos na ONU. Por isso, Kagan crê que seria uma boa
idéia se os democratas do planeta promovessem seus valores de modo mais organizado.
O problema dessa idéia é que
ela acarreta o risco de tornar
realidade aquilo que profetiza.
A relação entre EUA, China e
Rússia é complicada, com elementos de cooperação e competição. A formação da liga exacerbaria os antagonismos.
McCain rapidamente descobriria que precisa da cooperação da Rússia e da China para
atingir outros objetivos. Ele
prometeu negociar um novo
tratado sobre as alterações climáticas que incluiria a China.
Qualquer esforço para reforçar
o regime de não-proliferação
nuclear necessitará de assistência russa. Os EUA também
têm alianças com governos autocráticos no Oriente Médio.
Antagonizar os sauditas e até
os chineses e russos poderia ser
válido se possibilitasse realizar
outros objetivos. Até os mais
fervorosos defensores da ONU
sabem que ela falha em sua
"responsabilidade de proteção"
aos povos oprimidos. A formação de uma liga de democracias
poderia ainda estimular reformas democráticas nos aliados
americanos mais autocráticos.
O maior problema da "grande idéia" de McCain não está
nas autocracias, mas nas democracias mesmas. Quase todos
os aliados democráticos dos
EUA expressam profundas reservas quanto à idéia da liga. Os
europeus hesitariam em aderir
a uma aliança que desestabilize
a ONU e suspeitam da pregação
democrática dos EUA. Os aliados na Ásia, receosos quanto a
antagonizar os chineses, não
devem ser mais receptivos.
Assim, caso McCain, logo depois de eleito, decidisse convocar uma conferência de cúpula
das democracias, a festa seria
bastante estranha. Muitos dos
convidados alegariam outros
compromissos -o equivalente
diplomático de "não conseguimos uma babá para a noite da
festa". E as democracias que
aceitassem o convite poderiam
se ver como integrante de uma
nova coalizão dos indispostos.
Tradução de PAULO MIGLIACCI
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