São Paulo, domingo, 11 de maio de 2008

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SUCESSÃO NOS EUA / ARTIGO

Por que a "liga democrática" de McCain é uma idéia ruim

Proposta, que visa isolar "autocracias", pode na verdade impedir cooperação em questões que interessam aos Estados Unidos; Europa vê iniciativa com desdém

GIDEON RACHMAN
DO "FINANCIAL TIMES"

Todos esperam que presidentes americanos tenham grandes idéias sobre o mundo: uma "nova fronteira", uma "aliança pelo progresso", uma "guerra contra o terrorismo".
Infelizmente para o Partido Democrata, a grande idéia que mais anima seus dois potenciais presidentes, Barack Obama e Hillary Clinton, parece ser a da destruição mutuamente assegurada.
Isso deixa campo aberto para o senador John McCain. O republicano é o único candidato a defender uma idéia nova e notável sobre o papel dos EUA no mundo. E o mundo deveria prestar atenção, já que as chances de que ele conquiste a Presidência crescem a cada dia.
A grande idéia de McCain é a formação de uma "liga das democracias", cujo cerne seriam os EUA. Em discurso recente em Los Angeles, ele delineou um plano para "aglutinar o imenso poder de mais de cem democracias". Não era apenas um conceito vago usado para preencher um vazio no discurso. McCain vem insistindo sobre a "liga das democracias" há mais de um ano.
Em discurso na Hoover Institution, no ano passado, ele ofereceu alguns exemplos concretos do que essa liga poderia fazer. Essencialmente, ela parece ser um meio para contornar as Nações Unidas.
A liga poderia patrocinar uma intervenção em Darfur, ou "exercer pressão coordenada contra os tiranos da Birmânia ou Zimbábue, com ou sem a aprovação de Moscou e de Pequim". Poderia ainda "se unir para impor sanções ao Irã". Ele prometeu convocar uma conferência de cúpula das democracias em seu primeiro ano na Casa Branca e comparou a formação da liga à criação da Otan (Organização para o Tratado do Atlântico Norte).
O apoio de McCain a uma liga de democracias significa que isso foi rotulado como uma idéia de direita. Mas variantes dessa idéia já atraíram o apoio da esquerda. O Projeto de Segurança Nacional da Universidade Princeton -apoiado por muitos acadêmicos esquerdistas- promove a idéia de um "concerto de democracias". Ivo Daalder, assessor de Obama, também já defendeu a idéia.

Profecia auto-realizável
Mas os principais candidatos democratas se mantiveram cuidadosamente neutros. Em contraste, McCain abraçou a idéia como se fosse sua. Caso ele chegue à Casa Branca, pode vir a lastimar essa escolha. Embora a idéia tenha atrativos, ela oferece alguns perigos óbvios.
O primeiro problema é que a liga exacerbaria as tensões com a Rússia e China. Robert Kagan, assessor de McCain, argumenta que essas tensões já existem.
De fato, Rússia e China ocasionalmente agem como uma liga de autocracias, protegendo maus governos na ONU. Por isso, Kagan crê que seria uma boa idéia se os democratas do planeta promovessem seus valores de modo mais organizado. O problema dessa idéia é que ela acarreta o risco de tornar realidade aquilo que profetiza.
A relação entre EUA, China e Rússia é complicada, com elementos de cooperação e competição. A formação da liga exacerbaria os antagonismos. McCain rapidamente descobriria que precisa da cooperação da Rússia e da China para atingir outros objetivos. Ele prometeu negociar um novo tratado sobre as alterações climáticas que incluiria a China.
Qualquer esforço para reforçar o regime de não-proliferação nuclear necessitará de assistência russa. Os EUA também têm alianças com governos autocráticos no Oriente Médio.
Antagonizar os sauditas e até os chineses e russos poderia ser válido se possibilitasse realizar outros objetivos. Até os mais fervorosos defensores da ONU sabem que ela falha em sua "responsabilidade de proteção" aos povos oprimidos. A formação de uma liga de democracias poderia ainda estimular reformas democráticas nos aliados americanos mais autocráticos. O maior problema da "grande idéia" de McCain não está nas autocracias, mas nas democracias mesmas. Quase todos os aliados democráticos dos EUA expressam profundas reservas quanto à idéia da liga. Os europeus hesitariam em aderir a uma aliança que desestabilize a ONU e suspeitam da pregação democrática dos EUA. Os aliados na Ásia, receosos quanto a antagonizar os chineses, não devem ser mais receptivos.
Assim, caso McCain, logo depois de eleito, decidisse convocar uma conferência de cúpula das democracias, a festa seria bastante estranha. Muitos dos convidados alegariam outros compromissos -o equivalente diplomático de "não conseguimos uma babá para a noite da festa". E as democracias que aceitassem o convite poderiam se ver como integrante de uma nova coalizão dos indispostos.


Tradução de PAULO MIGLIACCI


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