São Paulo, domingo, 11 de junho de 2000


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ATRÁS DAS GRADES
População carcerária no país chega a 2 milhões
Número de presos bate recorde nos EUA

MARCIO AITH
DE WASHINGTON

Leis criminais severas e um sistema judicial extremamente conservador fizeram a população carcerária nos EUA chegar a 2 milhões de presos neste ano, a maior do mundo tanto em termos absolutos quanto proporcionais e um recorde histórico.
Essa explosão carcerária nos Estados Unidos representa uma população atrás das grades que equivale à população de países inteiros, como a Eslovênia, ou de cidades como Salvador (BA).
Os governos federal e estaduais dos EUA gastam hoje cerca de US$ 40 bilhões para construir e manter presídios, pagar os 600 mil funcionários e alimentar os presos. Isso representa quase duas vezes o valor do PIB (total de riquezas produzidas) do Uruguai.
Em Estados como a Califórnia, na Costa Oeste do país, gasta-se mais hoje para cuidar dos detentos do que em educação.
O número de presos nos Estados Unidos chegou a tal nível que passou a afetar indicadores básicos da economia norte-americana e acabou por transformar a população carcerária numa das mais cobiçadas fontes de lucros para a iniciativa privada.
Incapazes de compor a força de trabalho oficial no país, os 2 milhões de encarcerados são considerados tão vitais para manter baixo o índice de desemprego estatístico quanto o desempenho da economia.
Economistas dizem que, se os níveis de encarceramento fossem hoje iguais aos que eram há dez anos, quando havia apenas 700 mil presos, a taxa de desemprego no país, que atualmente está em torno de 4%, já estaria se aproximando de 6% e, talvez, tivesse até influenciado a política de juros praticada pelo Fed (o banco central dos EUA).
"Trata-se de um mundo que costumava ficar esquecido do mundo real. Mas ele ficou tão grande que passou a afetar toda a população norte-americana, disse à Folha Allen Beck, estatístico-chefe do Departamento de Justiça dos Estados Unidos e responsável pelo censo nos presídios.
Beck considera que, hoje, "é praticamente impossível encontrar alguém do lado de fora que não seja parente ou que não conheça um preso ou um funcionário de um presídio".
Pelas grandes possibilidades de lucro que oferece, o sistema carcerário despertou imediatamente a atenção do setor privado dos Estados Unidos.
O interesse corporativo nos condenados vai muito além de atividades tradicionalmente ligadas ao sistema carcerário, como a construção e a administração privada de presídios -que hoje é um dos negócios mais lucrativos nos Estados Unidos e um modelo que começa a ser exportado para diversos países.

Lucro com orelhões
Um exemplo das ricas possibilidades de lucros está sendo dado pela disputa de empresas telefônicas para colocar orelhões dentro dos presídios. Como os presos só podem se comunicar com o mundo externo por telefone e por meio de ligações a cobrar, um único orelhão instalado dentro de uma prisão norte-americana dá ao seu dono um faturamento estimado de US$ 15 mil, cinco vezes maior do que aquele obtido de orelhões de rua.
A empresa que detém o monopólio dos telefones nos presídios da imigração americana, a RCNA, cobra US$ 22 por uma chamada de 15 minutos da Costa Leste para a Oeste. A imigração leva 35% desse valor. A AT&T, a Sprint e a MCI cobram dos presos e de seus familiares seis vezes o custo normal de uma chamada de longa distância dentro dos EUA.
Duas companhias, formadas por ex-agentes penitenciários e militares, estão controlando a administração de presídios nos EUA e acumulando lucros altos.
A líder de mercado, a Corrections Corporation of America, administra 6% (ou 120 mil presos) de toda a população carcerária no país. Ganha diretamente do Estado cerca de US$ 25 por preso, ou US$ 3 milhões por mês.
Mas seus lucros não se limitam a isso. As leis dos Estados Unidos permitem que elas vendam a mão-de-obra dos detentos para companhias privadas e negociem com empresas de telefone.
As razões que produziram essa explosão carcerária remontam ao começo da década de 90, quando novas leis antidrogas dobraram as penas e retiraram benefícios judiciais a reincidentes. Entre os anos de 1990 e 1999, a taxa de encarceramento aumentou de 1 para cada 218 residentes nos Estados Unidos para 1 em cada 147.
Para reforçar essa tendência, a taxa de condenação da Promotoria federal dos Estados Unidos passou de 57% no começo da década para 87% hoje. É a mais alta da história.
O perfil da população carcerária reflete os problemas da sociedade norte-americana como um todo e castiga especialmente as minorias. Dentro da população de homens entre 20 e 39 anos, estima-se que 11% dos negros, 4% dos hispânicos e 1,5% dos brancos estejam na cadeia.


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