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Esquerda do Uruguai se divide entre Mercosul e EUA
Disputa entre "neoliberais" e tradicionais racha gabinete do presidente Vázquez
Ministros ameaçam com renúncia e a maior central sindical do país convocou greve contra tratado de livre comércio com Washington
RAUL JUSTE LORES
DA REPORTAGEM LOCAL
Com o distanciamento do
Mercosul e sua vontade de assinar um acordo comercial com
os EUA, o presidente Tabaré
Vázquez parecia demonstrar
que a esquerda uruguaia tomou
um novo rumo. Só parte dela.
Na última semana, não faltaram sinais de descontentamento em vários setores da Frente
Ampla, a coligação que governa
o país. A esquerda uruguaia está às vésperas de um racha.
Dois populares ministros
ameaçaram renunciar na última semana, e a maior central
sindical do país convocou para
o próximo dia 22 uma greve geral contra o acordo comercial
com os americanos. O cabo-de-guerra entre os setores mais
"neoliberais" e a esquerda tradicional se tornou público.
De um lado estão o ministro
da Economia, Danilo Astori, dirigente histórico da esquerda, e
o ministro da Indústria, Jorge
Lepra, o único nome do governo que veio de fora da coligação. É o setor mais forte do governo, que está decepcionado
com o Mercosul e quer dar
prioridade para um tratado de
livre comércio (TLC) com os
EUA. Defendem disciplina fiscal, controle de gastos e abertura econômica. Astori é chamado de "Palocci uruguaio".
Do outro lado, está o político
mais popular do país, o ministro da Agricultura, José Mujica.
Ex-guerrilheiro tupamaro, que
ficou dez anos preso, ele foi o
senador mais votado do Uruguai (seu partido teve mais de
30% do total de votos da Frente
Ampla). Mujica não disfarça
seu desconforto com a política
econômica. "A percepção é de
que está mais fora do que dentro do governo", publicou na
sexta-feira a revista "Brecha",
principal semanário de esquerda do país. Em entrevista à
"Brecha", ele pediu "menos ortodoxia econômica".
Do lado dele está o chanceler
Reinaldo Gargano, do Partido
Socialista, que ameaçou renunciar se o TLC for mesmo assinado. Gargano é o membro
mais pró-Mercosul do ministério de Tabaré.
"A saída deles vai dar um sinal claro de quem manda no governo e de que a esquerda mudou definitivamente de rumo",
diz um experiente embaixador.
Mujica quer refinanciar as dívidas dos produtores agropecuários do país. O ministro da Economia vetou o plano, dizendo
que isso vai criar um rombo nas
finanças. Mujica acha que o setor produtivo do país é penalizado pela política econômica.
Frustração com vizinhos
O distanciamento uruguaio
do Mercosul tem as mais variadas razões. Há seis anos, o Uruguai vendia 35% de suas exportações para o Brasil. Hoje elas
representam apenas 13,6%. Já
as exportações para os Estados
Unidos pularam para 22,5%,
mais do que as vendas para Brasil, Argentina e Paraguai juntas.
O ministro da Economia vê o
bloco como "uma camisa de
força" e quer assinar mais tratados de livre comércio com
outros blocos, sem precisar da
aprovação do Mercosul.
Para piorar, a relação com
Buenos Aires é péssima. Há
mais de um ano, Argentina e
Uruguai disputam a construção
de duas fábricas de celulose,
uma espanhola e uma finlandesa. Como os investimentos foram para o Uruguai, os argentinos decidiram infernizar a vida
do vizinho. Dizem que as fábricas são poluentes e afetam o rio
Uruguai, que divide os países.
O presidente Néstor Kirchner transformou o entrevero
em causa nacional e levou o vizinho para a Corte Internacional de Justiça de Haia. Uma estrada que divide os dois países
foi bloqueada por manifestantes argentinos por meses, afetando o turismo, uma das principais fontes de renda do país.
O Brasil não interveio, dizendo
que era assunto "bilateral".
"A sensação generalizada no
Uruguai é que a postura da Argentina contra as fábricas de
celulose se explica pela sua política interna. Kirchner busca
dividendos", diz o professor do
Instituto de Ciências Políticas
da Universidade de la República Federico Traversa.
"A ausência de mediação do
Mercosul frustrou ainda mais
as expectativas em relação ao
bloco." A central sindical do
país, PIT-CNT, decidiu por
unanimidade convocar uma
greve geral no dia 22 de junho
contra a política econômica e
contra o TLC com os EUA.
Vários diplomatas ouvidos
pela Folha confirmam que o
país deve assinar um instrumento jurídico semelhante a
um TLC com os EUA, na próxima reunião mista EUA-Uruguai. "Podem até dar outro nome, disfarçado, para não ferir
sensibilidades." As mesmas
fontes apostam que o país está
a um passo de pedir um "waiver" (perdão) aos demais sócios do Mercosul para negociar
o tratado com os EUA.
O distanciamento do Mercosul e o flerte com os EUA começaram durante o governo do conservador Jorge Battle, antecessor de Tabaré Vázquez.
Apesar da chegada da esquerda
ao poder pela primeira vez, a
iniciativa de Battle foi mantida.
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