São Paulo, segunda-feira, 11 de agosto de 2008

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análise

Bush atraiu a Geórgia para ferir os russos

JOÃO BATISTA NATALI
DA REPORTAGEM LOCAL

O atual conflito do Cáucaso não seria possível, em que pese a questão étnica na Ossétia do Sul, se os Estados Unidos não tivessem insuflado a Geórgia a uma posição de confronto com a Rússia.
A pequena ex-república soviética se tornou para a administração Bush um dos três pilares dessa política. Os dois outros foram Kosovo e o escudo antimísseis, que o Kremlin também considera contrários a seus interesses.
No caso da Geórgia, o nó górdio está em sua pretensão de se integrar à Otan, a aliança militar ocidental. Iniciativa que Vladimir Putin, ainda quando presidente russo, qualificou de "inaceitável", já que um país na fronteira russa pertenceria a uma aliança potencialmente hostil.
Não cabe exclusivamente a Washington a iniciativa de autorizar o ingresso da Geórgia ao bloco. Os demais integrantes devem ser consultados. E a Alemanha deu claramente a entender que expressaria seu veto, porque o território georgiano não está estabilizado (Ossétia do Sul e Abkházia), e qualquer conflito levaria ao envolvimento em peso de toda a aliança.
Se Bush deu corda no presidente Mikhail Saakashvili, é porque sabia que estaria mexendo num dos nervos mais sensíveis do Kremlin. É como se, para Washington, irritar e enfraquecer a Rússia ainda fossem de algum modo uma prioridade política.
Kosovo e escudos antimísseis foram também encaminhados pelos americanos de modo a gerar tensões. A independência unilateral de Kosovo significou o desmembramento territorial da Sérvia, aliada histórica da Rússia por questões étnicas (o eslavismo) e religiosas (a igreja ortodoxa) desde as intervenções conflituosas nos Bálcãs do Império Otomano.
É claro que os albaneses étnicos de Kosovo poderiam continuar protegidos sob outras formas de tutela que não a criação de um novo Estado. Mas a independência irritaria a Rússia. Foi a solução preferida por uma parcela da União Européia e sobretudo pelos americanos.
Quanto ao escudo, há dois fatores. Torna-se operacional com instalações na Polônia e na República Tcheca, ex-dependentes da União Soviética. Mas a utilidade militar do dispositivo é duvidosa contra mísseis norte-coreanos e iranianos.
A Coréia do Norte já foi domesticada, tanto que desmantelou o programa nuclear com o qual chegou a produzir um simulacro de bomba atômica. Quanto ao Irã, qualquer tipo de míssil é ameaçador, e não só os de longo alcance. Está em jogo a sobrevivência de Israel e o equilíbrio do Oriente Médio.
Não seriam os poloneses ou os tchecos que resolveriam o problema. O escudo passa a valer por mexer com os nervos de Moscou.
O tigre russo foi espetado com vara curta. E agora reage à aventura do presidente Saakashvili, que, a bem da verdade, não chegou a invadir na sexta o território sul-ossetiano sob ordens ou com o aval explícito americano.


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