São Paulo, quinta-feira, 11 de agosto de 2011

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Para economista alemão, crise é das finanças, não dos governos

Heiner Flassbeck defende regulação e prevê recessão prolongada

ELEONORA DE LUCENA
DE SÃO PAULO

A crise atual é fruto do mercado financeiro, não de governos malcomportados. O que acontece é um sucessivo estouro de bolhas, e os governos deveriam ampliar seus deficits, não cortá-los. Para isso, os políticos precisam se emancipar de Wall Street. A visão é de Heiner Flassbeck, 60, diretor da Divisão de Globalização e Estratégias de Desenvolvimento da Unctad (Conferência da ONU para o Comércio e Desenvolvimento). Para o economista, que foi vice-ministro de Finanças da Alemanha (1998-1999), a recessão de agora pode ser pior, prolongada.
Flassbeck defende o enxugamento do mercado. E, para ativar o capitalismo, prega uma regra simples: aumento de salários. Professor da Universidade de Hamburgo, ele estará no Brasil na próxima semana para um seminário promovido pelo Centro Internacional Celso Furtado.

 


Folha - Qual é a natureza da crise?
Heiner Flassbeck -
Os mercados produzem bolhas e, em certo momento, todas elas explodem. Temos uma economia de bolhas. A economia cresce porque temos essas bolhas, não o contrário. Agora há um grande perigo de que todas as novas bolhas, de commodities, moedas, ações, patrimônio, estourem.

Está ficando pior?
Sim, pois os governos estão tentando reduzir os seus deficits. Será mais difícil lutar contra uma nova recessão. Nos EUA, na Europa e no Japão, não há recuperação sustentável: o emprego está estagnado, os salários não estão subindo -então não há consumo privado- e todos querem exportar. O resto do mundo não consegue crescer em ritmo suficiente para absorver essas exportações.

E qual é a saída?
Uma forte regulação nos mercados financeiros, impedindo apostas de cassino e forçando investimentos reais. Um sistema monetário global diferente, no qual as moedas não sejam determinadas pelo mercado. E nova regulamentação para as commodities, na qual seus preços não sejam mais determinados pelo mercado financeiro.

Por que os governos não fazem nada a respeito?
Muitos políticos não entendem o que ocorre. É preciso uma nova geração, que não dependa de Wall Street.

Os mercados estão forçando nova socialização das perdas?
Com a política nos EUA, é difícil imaginar novo resgate. O governo está bloqueado pelo Congresso. Muitos governos hesitarão em salvar bancos. Por isso, essa recessão pode ser pior e mais profunda que a anterior. O cenário mais provável talvez seja o de uma recessão do tipo da japonesa.

Pior que a de 1929?
Não diria pior, mas pelo menos comparável. Corremos o risco de fazer o mesmo erro de 1929: cortar gasto público no meio da recessão. Em 2008, a reação dos governos conteve a recessão. Agora, não se pode esperar muito do lado monetário e o fiscal está bloqueado politicamente.

Mas ortodoxos defendem corte de deficit.
Estão ansiosos por matar [John Maynard] Keynes novamente. Por isso chamam a crise, claramente causada pelos mercados financeiros, de "crise da dívida dos governos". Não tem nada a ver com crise da dívida. Os governos pagaram alguns jogadores irresponsáveis das finanças, e por isso a dívida dos governos é maior do que há cinco anos. É luta ideológica contra os governos. Nada a ver com pesquisa acadêmica séria.

O que o capitalismo pode fazer para gerar crescimento?
Os salários médios precisam subir conforme a produtividade da economia. É uma regra simples, não seguida na América Latina no passado; hoje está melhor. Na Ásia entenderam isso. Mas na Europa, nos EUA e no Japão, os salários não estão crescendo. Eles são o componente mais importante para a demanda privada. O capitalismo não funciona sem aumento do salário dos trabalhadores.

O tamanho do sistema financeiro deve diminuir?
Ele precisa encolher. Essa é a grande tarefa dos políticos.

Leia a íntegra da entrevista
folha.com/no957772



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