São Paulo, quinta-feira, 11 de setembro de 2008

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Gênese de crise está em disputa sobre Carta

DA REDAÇÃO

A radical divisão boliviana entre os povos indígenas do empobrecido altiplano, hoje liderados pelo presidente Evo Morales, e as elites das ricas terras baixas, reunidas nos Comitês Cívicos, é histórica, mas vive um acirramento desde a convocação por Morales de uma Assembléia Nacional Constituinte, em 2006.
Simultaneamente à eleição da Constituinte, os bolivianos votaram sobre a autonomia dos departamentos (Estados). Os departamentos da meia-lua votaram "sim", mas o altiplano seguiu Morales, que fizera campanha pelo "não", e manteve o status pelo qual os departamentos não têm Legislativos, polícias ou impostos próprios.
Na mesma votação, o MAS (Movimento ao Socialismo), partido de Morales, conseguiu maioria na Constituinte, mas não os dois terços necessários para validar o texto. O governo mudou a regra no meio do jogo, porém, e aprovou a nova Carta por maioria simples.
A entrada em vigor da nova Constituição depende ainda de referendo, mas os governadores da meia-lua e os Comitês Cívicos repudiam o texto -principalmente, três itens:
a) embora ele dê aos departamentos a sonhada autonomia, também concede autonomia a povos indígenas que vivem dentro desses departamentos;
b) a Carta limita a extensão de terras de um mesmo proprietário a uma quantidade de hectares que ainda deverá ser definida em um referendo exclusivo sobre o tema;
c) La Paz mantém o controle sobre os recursos naturais do país -a maior riqueza está concentrada na meia-lua.

Referendos
Aprovada a Constituinte, os departamentos oposicionistas decidiram radicalizar contra Morales. Santa Cruz, Pando, Beni e Tarija promoveram, sem aprovação da Justiça eleitoral, referendos sobre estatutos autonômicos. O "sim" ganhou em todos os departamentos, mas, sem o consentimento de La Paz, nada mudou na prática.
Sem conseguir destravar o diálogo com os opositores, Morales apostou em sua força nas urnas -convocou um referendo revogatório sobre o seu mandato e o dos governadores. O resultado não desfez o impasse. Dois terços dos bolivianos votaram para Morales ficar, mas os principais governadores de oposição também foram mantidos.
Após o referendo, os dois lados ensaiaram retomar um diálogo. Mas Morales não cedeu em um ponto que os oposicionistas consideram fundamental -a restituição do repasse aos departamentos de um imposto sobre o gás natural, que La Paz deslocou para o pagamento de pensões a idosos.
Com a nova quebra de diálogo, veio mais radicalização. Morales anunciou que levaria adiante unilateralmente os referendos sobre a nova Constituição e marcou a data. Os Comitês Cívicos intensificaram greves, bloqueios, locautes, tomadas de aeroportos e ataques a instituições governamentais, inclusive às instalações do gás que a Bolívia exporta ao Brasil.
Mais de um líder das ações contra Morales já confessou que o objetivo final é derrubar do governo o líder indígena, que tem mandato até 2010, mas pode concorrer à reeleição caso seja aprovada a nova Carta. Morales acusa os opositores de tentarem um "golpe civil".

Comitês e milícias
Os principais artífices da radicalização são justamente os Comitês Cívicos -que reúnem a elite política e empresarial nos departamentos e têm grande capacidade de mobilizar a população. Sua força deriva também do fato de que, até 2005, os governadores não eram eleitos, mas nomeados por La Paz -firmando-se os comitês como máxima expressão política departamental.
Além deles, são agentes dos ataques milícias como a União Juvenil Cruzenha, de Santa Cruz. Elas adotam discurso mais radical e até racista contra os indígenas. Nos referendos autonômicos, foram usadas como forças de segurança nos departamentos, embora não esteja claro se possuem ou não armas em quantidade.


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