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Leste rico do Congo revive guerra civil que já matou 4 milhões
Intervenção da vizinha Ruanda prolonga crise; 11 anos após início do conflito descrito como pior tragédia humana desde a 2ª Guerra, ONU mapeia violações
CLARA FAGUNDES
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA
Onze anos após o início da
guerra civil descrita pela ONU
como "maior tragédia humanitária desde a 2ª Guerra Mundial", o Alto Comissariado da
organização liberou US$ 2,3
milhões para mapeamento das
violações aos direitos humanos
cometidas entre março de 1993
e junho de 2003 na República
Democrática do Congo. A investigação tardia deve chegar a
tempo de recolher corpos dos
novos conflitos no leste do país.
Confrontos entre o general
renegado Laurent Nkunda e o
governo agravaram a crise na
fronteira com Ruanda. Autoproclamado defensor dos tutsis
-cerca de 300 mil dos estimados 60 milhões de congoleses-
Nkunda rompeu com o governo em setembro de 2006. No
Kivu do Norte, Província mais
atingida, 750 mil pessoas deixaram suas casas.
Não é uma guerra tribal, afirma o congolês Muzong Kodi,
analista da Chatham House e
ex-diretor da ONG Transparência Internacional na África.
"Quando ouvem falar em África, as pessoas tendem a reduzir
tudo a conflitos étnicos, mas o
que está em disputa é o controle das minas", disse ele à Folha.
O país é rico em cobre, cobalto,
zinco, urânio, ouro e diamante.
Os 16.475 militares da Monuc (Missão da ONU no Congo), estabelecida em 1999, foram poucos para conter o recrudescimento da violência no
leste da RDC. Com dificuldades
para fazer chegar ajuda humanitária a áreas conflagradas, a
Monuc foi duas vezes atacada
por civis no Kivu do Norte, na
semana passada. Intervenção
do Exército congolês para conter a multidão revoltada com a
carestia resultou em duas mortes, inclusive de um bebê.
Heróis e vilões
"Temos que trabalhar com o
que temos. É a maior missão de
manutenção de paz em ação no
momento, envolve o mesmo
número de militares que tínhamos em Serra Leoa em 2001. Só
que Serra Leoa é 42 vezes menor que o Congo", diz o porta-voz da Monuc, Kemal Saiki.
"Nenhum país quer arriscar
soldados para conter um conflito que parece tão distante",
lamenta o americano Adam
Hochschild, autor do livro "O
Fantasma do Rei Leopoldo"
(Companhia das Letras, 1999),
sobre a colonização da Congo.
Além disso, disse Hochschild à
Folha, não há na comunidade
internacional a sensação de
que exista uma instância capaz
de, se pressionada, pôr um fim
ao conflito. Nessa guerra é difícil rotular heróis e vilões.
Não é o que pensa Kodi. O
analista afirma que na raiz do
conflito está a "usurpação clara
do subsolo congolês por Ruanda, Uganda e Burundi", uma
"inequívoca" violação das leis
internacionais.
Segundo o congolês, pressões sobre os três países, que
apoiaram a derrubada de Mobuto por Laurent Kabila (pai
do atual presidente) em 1997,
mas invadiram a RDC após
ruptura com o ex-aliado, poderiam ter contido a guerra. Concluída oficialmente em 2003,
após quase quatro milhões de
mortes, a tragédia continua no
leste do país. Em parte, afirma
Kodi, porque "Ruanda financia
rebeldes que não têm nenhum
apoio popular".
O país alega combater as
Forças Democrática de Libertação de Ruanda (FDLR), grupo responsável pelo genocídio
de 1994. Muitos dos seus líderes fugiram para o país vizinho
após intervenção da ONU em
Ruanda. Desde 2002, a Monuc
repatriou 15.343 combatentes
estrangeiros, a maioria da
FDLR, banida do atual governo
de maioria tutsi ruandês.
O terror imposto aos civis é
partilhado por Mayi-Mayis
-milícias contrárias aos tutsis
pró-Ruanda-, Nkunda e pelas
próprias Forças Armadas. A reforma do Exército, costurado a
partir de antigas milícias privadas reunidas em 2003 pelo
acordo de conciliação, é apontada unanimemente pelos analistas como fundamental para a
paz no país. Os "senhores da
guerra" mantêm sob controle
direto parte de suas antigas
tropas. Saques e estupros são
freqüentes e envolvem, inclusive, os capacetes azuis: 63 foram
expulsos da Monuc por abusos
contra refugiadas.
"Nossos soldados são treinados para agir como uma força
de ocupação desde o período
colonial. Essa herança perdurou sob o regime Mobuto [ditador congolês oriundo do Exército colonial] e persiste até hoje, com o desprezo pelos civis
disseminado entre todos combatentes", diz Kodi.
Propriedade do rei Leopoldo
2º "herdada" pela Bélgica como colônia em 1908, a RDC
inspirou os horrores descritos
em "O Coração das Trevas" pelo anglo-polonês Joseph Conrad, que visitou o país no final
do século 19. Cem anos depois,
Hochschild organizaria documentos da época numa narrativa histórica brutal.
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