São Paulo, domingo, 11 de novembro de 2007

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ARTIGO

"Realistas" de Washington miram Moscou

DANIEL VERNET
DO "MONDE"

Os Estados Unidos estudam uma mudança em sua estratégia global, com o objetivo de resolver a crise nuclear iraniana. O chamado clã dos "realistas", que ganhou força no Departamento de Estado, considera o Irã o problema mais importante para a diplomacia americana e acha todas as soluções propostas são más. Assim, busca uma saída da alternativa -"catastrófica", como diz Nicolas Sarkozy- entre "bombardear o Irã ou aceitá-lo com a bomba".
A primeira hipótese é defendida pelo vice-presidente Dick Cheney. A segunda, rejeitada pelos "realistas" -assim como a primeira- corre o risco de se confirmar se o Irã não renunciar ao programa nuclear. A busca da terceira via passa por Moscou, como nos bons velhos tempos do mundo bipolar.
Não é por acaso que os diplomatas da escola Kissinger vêm retornando ao primeiro plano, depois de marginalizados pelos neoconservadores após o 11 de Setembro. Seu raciocínio é o seguinte: após os muitos reveses sofridos no Oriente Médio, os EUA não podem se permitir um novo fracasso com Teerã.
Os russos, que não têm interesse em ter um Irã nuclearizado, deveriam mostrar-se mais cooperativos. Putin, aliás, seria mais firme com o Irã do que suas declarações levam a supor. Putin é também mais flexível com os EUA reservadamente do que em público. O discurso da tensão lhe é útil internamente; porém, os russos vêm demonstrando algum interesse pelas propostas feitas pela EUA em relação ao escudo antimísseis e ao Tratado sobre Forças Convencionais na Europa (FCE). Para assegurar-se da cooperação de Moscou sobre o dossiê iraniano, os EUA deveriam ser menos rígidos em relação a outros temas ligados ao leste da Europa. Essa é a tese dos "realistas".
Bob Blackwill, conselheiro de Condoleezza Rice no Departamento de Estado, desenvolveu a tese numa conferência trilateral em Viena. Entre os temas que, para os americanos, podem ser secundários se comparados ao Irã, merecem ser recordados: o Kosovo e a Geórgia. Em relação ao primeiro, Washington poderia mostrar menos pressa em reconhecer a independência da Província e buscar um entendimento com a Rússia. Quanto à Geórgia, ela procura obter o chamado Plano de Ação para tornar-se membro da Otan, a aliança militar ocidental. Os EUA tinham previsto entregá-lo na cúpula da Otan de abril de 2008. Agora, Tbilisi corre o risco de ser vítima da troca de favores entre Washington e Moscou.
O sucesso dessa estratégia depende das "linhas vermelhas" fixadas pelas partes. A ampliação da Otan rumo ao leste era uma da linhas para a Rússia. Será que ela a abandonará em troca de concessões sobre outros pontos controversos, ou mesmo de uma partilha de poder com os EUA e os europeus em assuntos do velho continente? O chanceler russo, Serguei Lavrov, não economiza elogios à "troika" que negocia sobre o Kosovo, como se ela prefigurasse o diretório a três na Europa que Moscou deseja desde a queda do comunismo.
Essa abordagem reforçaria o presidente russo, consagrando sua tática de tensão controlada com o Ocidente. Para os defensores do "realismo", esse é o preço a pagar. Mas não é certo que Bush esteja disposto.


Tradução de CLARA ALLAIN


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