São Paulo, sábado, 11 de dezembro de 2004

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IRAQUE SOB TUTELA

Estudos mostram falta de transparência nos gastos da Autoridade Provisória da Coalizão, controlada pelos EUA

Auditorias apontam caos em gestão no Iraque

THOMAS CATAN
DO "FINANCIAL TIMES"

A falta de transparência sobre os gastos da Autoridade Provisória da Coalizão (APC), que dirigiu o Iraque até a formação do governo interino no início de julho, está permitindo o surgimento de perguntas sobre dezenas de pagamentos, que somam bilhões de dólares, feitos com o dinheiro das vendas do petróleo do país.
Ao todo, a APC gastou ou se comprometeu a gastar quase US$ 20 bilhões. Evidências sugerem que o dinheiro foi usado de maneira caótica e que foram violados procedimentos da APC.
Na semana que vem, uma comissão de auditoria da ONU deve anunciar seu veredicto sobre como o dinheiro do Iraque foi usado. O inspetor-geral da APC também finaliza um relatório sobre a gerência dos fundos iraquianos, que deve ser muito crítico.
Auditores descobriram que a falta de controle deixou as verbas sujeitas a fraudes, perdas ou roubos. Centenas de milhões de dólares das vendas de petróleo iraquiano também podem ter sido desviados. O escritório do inspetor-geral da APC está investigando pelo menos 27 supostos casos de corrupção de funcionários da própria organização.
Paul Bremer, o ex-administrador do Iraque, não respondeu a vários pedidos de entrevista. Antes de Bremer deixar Bagdá, em junho, a APC disse que os fundos iraquianos haviam sido "gastos no interesse do povo iraquiano" e de maneira transparente.
Essas afirmações estão sendo questionadas por auditores e outras pessoas. "Eu não acredito que tenhamos cumprido nossas obrigações", disse uma autoridade dos EUA. "Nós apenas jogamos o dinheiro para o alto."
A APC tinha duas fontes principais de dinheiro para a reconstrução do Iraque. A primeira era uma verba de US$ 18,4 bilhões aprovada pelo Congresso americano. A segunda era o Fundo de Desenvolvimento do Iraque (FDI), uma conta criada pela resolução 1.483 da ONU que concentrou bilhões de dólares em bens iraquianos.
Quando foi dissolvida, em 28 de junho, a APC tinha gasto ou alocado praticamente todas as verbas que tinham passado pelo FDI. Em contraste, a APC havia gasto apenas US$ 366 milhões dos fundos americanos para a reconstrução e alocado US$ 5 bilhões.
Parte da razão para essa disparidade é que havia dificuldades para gastar as verbas americanas. Regras estabelecidas para garantir que o dinheiro não fosse desperdiçado ou mal usado atrasavam os contratos. Dirigentes da APC, incluindo Bremer, também reclamaram que o Pentágono, que assumiu o controle das verbas para a reconstrução, relutava em deixá-los gastar o dinheiro.
Devido aos atrasos na liberação do dinheiro americano, alguns projetos de bilhões de dólares foram financiados também com fundos iraquianos. Esse foi o caso de um projeto de US$ 1,4 bilhão para reconstruir a infra-estrutura petrolífera do Iraque, passado sem concorrência para a Halliburton, a empresa que Dick Cheney havia dirigido antes de tornar-se vice-presidente. O contrato fez da Halliburton a maior recipiente de fundos iraquianos.
Auditorias de uma comissão montada pela ONU fazem referências oblíquas a incidentes que geram perguntas sobre a conduta de alguns funcionários no Iraque apontados pela Casa Branca.
Nomeado pelo presidente George W. Bush para o Ministério da Saúde do Iraque, James Haveman parece, de acordo com os relatórios de auditoria, ter controlado pessoalmente centenas de milhões de dólares em papel-moeda, concedendo contratos com base em sua autoridade, driblando normas para compras e não produzindo registros adequados.
Haveman recusou-se a comentar as discrepâncias apontadas pelos auditores. Os responsáveis pela difícil e arriscada tarefa de supervisionar a reconstrução se eximem de apresentar desculpas pela maneira como gastaram as receitas do petróleo iraquiano. Eles dizem que as discrepâncias de contabilidade devem ser vistas no contexto do tamanho e da urgência da tarefa que tinham.
"O país inteiro estava paralisado, estava morrendo. É claro que, do ponto de vista de procedimentos contábeis democráticos e americanos, foram tomados atalhos", diz sir Jeremy Greenstock, ex-representante especial do Reino Unido no Iraque. "Os atalhos foram tomados com o objetivo de fazer a economia iraquiana funcionar novamente."


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