São Paulo, domingo, 12 de janeiro de 2003

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Longevidade da greve empurra protagonistas da crise à negociação

ROGERIO WASSERMANN
DA REDAÇÃO

O relativo sucesso da greve comandada pela oposição da Venezuela, que já se arrasta por mais de 40 dias, torna o desfecho da crise política uma incógnita cada vez maior. Para analistas consultados pela Folha, há um risco crescente de violência, o que pressiona os atores da crise a negociar uma solução pacífica.
"Uma saída negociada é a única satisfatória para todas as partes", diz Larry Birns, diretor do Conselho de Assuntos do Hemisfério, de Washington. "A pressão da oposição para que o presidente Chávez renuncie é uma ameaça à democracia venezuelana."
Para Birns, apesar de Hugo Chávez ter adotado uma política de "cão raivoso", polarizando a sociedade, tratando a oposição como "escória" e gerando muitos inimigos ao mesmo tempo, ele vem respeitando, como presidente, os preceitos democráticos.
Por isso, para ele, a posição adotada pela oposição, com declarações que beiram "o fim justifica os meios", pode levar a uma situação não-institucional, que poria a perder o "reservatório democrático" mantido pela Venezuela ao longo das últimas décadas.
"Nos anos 70, o presidente [dos EUA" Jimmy Carter [1977-1981" era muito impopular, mas isso não significava que ele deveria ser derrubado ou forçado a renunciar", afirma.
Posição semelhante é defendida por Teodoro Petkoff, ex-guerrilheiro de esquerda e atual diretor do jornal "Tal Cual", de Caracas, considerado parte da "oposição lúcida" do país. "Uma saída negociada é a única saída pacífica possível, porque deixa vivos todos os protagonistas", diz.
Em sua avaliação, se Chávez aceitasse hoje, na mesa de diálogo mediada pela OEA (Organização dos Estados Americanos), a antecipação das eleições presidenciais ou a realização de um referendo, poderia ter uma "saída honrosa". "Apesar de a maioria da população venezuelana estar contra Chávez, ele ainda tem uma importante base de apoio, o que não é conseguido por nenhum membro da oposição individualmente", diz.
"Com uma saída eleitoral, Chávez poderia continuar sendo a mais importante força política do país ou até mesmo, eventualmente, ganhar as eleições", afirma. "Para Chávez e para o país, essa é a saída mais viável", diz.
A analista política Francine Jácome, diretora do Instituto Venezuelano de Estudos Sociais e Políticos, vê com pessimismo a possibilidade de um acordo na mesa de diálogo em razão da intransigência que as duas partes têm manifestado, mas considera que as circunstâncias podem mudar.
"Acho que tudo dependerá da decisão que tome a Suprema Corte sobre a legalidade da realização de um referendo no dia 2 de fevereiro, pedido pela oposição", diz ela, para quem uma decisão favorável a uma das partes poderia levar a outra a ceder. Para ela, a realização do referendo a partir de agosto, como defende o governo com base no que prevê a Constituição, tem poucas chances de ser aceita pela oposição e pode esconder uma estratégia do governo.
"O processo para o referendo começaria em agosto, mas o governo pode conseguir jogá-lo para janeiro ou fevereiro de 2004, com alguns procedimentos burocráticos", diz ela. "Segundo a Constituição, se Chávez for tirado do cargo por um referendo após quatro anos de mandato [a serem completados em janeiro do ano que vem", a gestão deverá ser concluída pelo vice [José Vicente Rangel". Assim, não haveria eleições antecipadas", afirma.

Violência
O espectro da violência no caso de um fracasso das negociações é o que mais assusta os analistas. "Apesar da falta de avanços, a perspectiva de um acordo existe, mas, se o diálogo fracassar, não me atrevo a pensar no que pode acontecer ao país", diz Petkoff.
"Não creio na possibilidade de uma guerra civil clássica, mas há grandes possibilidades de uma situação com violência de alta intensidade", diz ele.
Os apelos da oposição para que os militares se juntem à greve geral, até agora ignorados, trazem um perigo com antecedentes históricos, segundo Larry Birns. "Em 1973, no Chile, os democrata-cristãos cortejavam os militares para derrubar o presidente constitucional, Salvador Allende, pensando em governar em seu lugar, mas o que aconteceu foi que os militares tomaram o poder para si, e a classe política teve 17 anos de repressão brutal", diz.
Qualquer que seja o desfecho para a crise, porém, a situação da Venezuela tende a manter-se tensa por muito tempo, por conta dos efeitos econômicos que a longa greve geral pode provocar.
"Essa situação pode provocar uma queda de 20% no PIB do país, além de jogar para o alto o desemprego, que era de 16%", diz Petkoff. "O pior efeito não é o fato de o sujeito não ter gasolina para abastecer seu carro, mas não haver exportação de petróleo."
Segundo ele, como os pagamentos da venda do produto são feitos 90 dias após o envio, os efeitos da greve começarão a ser sentidos de forma mais aguda em março.
Ainda assim, um efeito dominó, provocado pela interrupção do fluxo de capital por causa do fechamento de grande parte do comércio, já vem causando uma onda de inadimplência. "Tome como exemplo nosso caso: os anunciantes não nos pagam porque não recebem, e nós não pagamos a gráfica", diz Petkoff. "Se a greve geral continuar com a mesma força, em pouco tempo a situação no país poderá ser de caos total."
Mas até quando o país e o governo poderiam sustentar essa situação? Para Petkoff, essa é uma pergunta ainda sem resposta: "Tudo pode acontecer. Ninguém poderia imaginar que uma greve dirigida por patrões pudesse se prolongar por mais de um mês, com um quarto da população envolvida diretamente", diz. "Não acho que exista precedente semelhante na história mundial. A partir daí, tudo é possível."



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