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Analista prevê governo inócuo no Líbano
Divergências sobre divisão de poder obrigam parlamento a adiar escolha do presidente pela 12ª vez
SAMY ADGHIRNI
DA REPORTAGEM LOCAL
A persistência do desacordo
sobre a repartição de poder entre os partidos pró e anti-Síria
levou ontem o parlamento libanês a adiar, pela 12ª vez, a sessão em que seria eleito o presidente do país. Uma nova tentativa de escolher o chefe de Estado ficou marcada para 21 de janeiro. O Líbano está sem presidente desde novembro, quando
expirou o mandato de Émile
Lahoud, aliado da Síria.
Autoridades afirmaram que,
apesar do consenso sobre a escolha do chefe das Forças Armadas, Michel Suleiman, para
ocupar o cargo de presidente, a
oposição liderada pelo partido
xiita Hizbollah não abre mão
do direito de ter uma minoria
de bloqueio no gabinete.
O secretário-geral da Liga
Árabe, Amir Moussa, encerrou
ontem a sua missão no Líbano
sem ter conseguido aplicar um
plano de reconciliação que incluía, além da eleição de Michel
Suleiman, a formação de um
governo de união nacional e a
aprovação de uma nova lei eleitoral.
Na opinião do analista e filósofo libanês François Zabbal,
do Instituto do Mundo Árabe,
em Paris, mesmo que um acordo seja alcançado, o futuro do
Líbano é sombrio. Em entrevista por telefone à Folha, ele previu a formação de um gabinete
incapaz de governar e a continuação da ingerência síria nos
assuntos libaneses.
FOLHA - O senhor acredita que as
facções libanesas acabarão alcançando um acordo?
FRANÇOIS ZABBAL - Cedo ou tarde, elas chegarão a um acordo
capenga. A principal vantagem
desse compromisso será o adiamento de uma crise ainda
maior. Teremos um gabinete
incapaz de governar, pois cada
lado poderá barrar qualquer
decisão tomada pelo outro. Será uma maquiagem para um cenário de completa imobilidade.
Com isso, pelo menos, as tensões entre comunidades serão
temporariamente amenizadas.
FOLHA - O senhor não acredita na
possibilidade de uma nova guerra
civil?
ZABBAL - A curto prazo, não.
Mas os ingredientes estão aí. É
bem possível que a crise alimentada há dois ou três anos
provoque algo mais grave. De
qualquer maneira, os libaneses
estão diante de um futuro sombrio, sem governo nem projeto
nacional. Ninguém investe
num país assim. Além disso, a
repartição de poder que está
sendo discutida vai fazer com
que, três anos depois da retirada do Líbano, os sírios voltem
ao país por outra via, provavelmente a dos serviços secretos e
do exército.
FOLHA - A ingerência síria continuará?
ZABBAL - O contexto no Oriente Médio tende a ficar mais calmo, por causa das eleições nos
EUA. Ninguém quer problemas com o futuro presidente
americano. Os sírios estão aliviados em saber que Bush não
lhes causará mais problemas.
Porém, no momento, eles querem apenas continuar jogando
a carta do bloqueio. São eles
que estão por trás do Hizbollah. Os sírios partem do princípio que, se as instituições libanesas não estão a seu favor,
então elas devem ser bloqueadas. Foi isso que aconteceu há
dois anos, quando os ministros
do Hizbollah abandonaram o
governo, paralisando o país
desde então. São eles que estão
tirando maior proveito dessa
situação.
FOLHA - Porque os sírios estão tão
interessados no Líbano?
ZABBAL - Pouca gente vê que,
na realidade, o Líbano é a extremidade ocidental de uma linha
de fratura entre xiitas e sunitas
que se estende até o Irã. Os protagonistas são Irã e Síria de um
lado, e Arábia Saudita do outro.
Reza a lenda que, após a morte
do (ex-premiê Rafik) Hariri, o
presidente Bashar Assad ouviu
do rei saudita: "vocês ousaram
matar nosso homem!". Não é só
por causa do dinheiro aplicado
no Líbano por intermédio do
sunita Rafik Hariri que as monarquias do Golfo ficaram enfurecidas com o assassinato do
ex-premiê. É também uma
questão estratégica. Há uma
colossal disputa de poder e influência na região. Se Hariri era
o homem dos sunitas, os iranianos por sua vez acham que o Líbano não passa de uma posição
avançada. Teerã considera que
o Hizbollah lhe pertence. O embate entre sunitas e xiitas vai
piorar, alimentando-se de confrontos e limpezas étnicas.
FOLHA - Qual a sua avaliação sobre
o general Suleiman, provável futuro
presidente?
ZABBAL - Ele foi escolhido ao
cargo de chefe das Forças Armadas pelos sírios. Isso já diz
muita coisa.
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