São Paulo, sábado, 12 de janeiro de 2008

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Analista prevê governo inócuo no Líbano

Divergências sobre divisão de poder obrigam parlamento a adiar escolha do presidente pela 12ª vez

SAMY ADGHIRNI
DA REPORTAGEM LOCAL

A persistência do desacordo sobre a repartição de poder entre os partidos pró e anti-Síria levou ontem o parlamento libanês a adiar, pela 12ª vez, a sessão em que seria eleito o presidente do país. Uma nova tentativa de escolher o chefe de Estado ficou marcada para 21 de janeiro. O Líbano está sem presidente desde novembro, quando expirou o mandato de Émile Lahoud, aliado da Síria.
Autoridades afirmaram que, apesar do consenso sobre a escolha do chefe das Forças Armadas, Michel Suleiman, para ocupar o cargo de presidente, a oposição liderada pelo partido xiita Hizbollah não abre mão do direito de ter uma minoria de bloqueio no gabinete.
O secretário-geral da Liga Árabe, Amir Moussa, encerrou ontem a sua missão no Líbano sem ter conseguido aplicar um plano de reconciliação que incluía, além da eleição de Michel Suleiman, a formação de um governo de união nacional e a aprovação de uma nova lei eleitoral. Na opinião do analista e filósofo libanês François Zabbal, do Instituto do Mundo Árabe, em Paris, mesmo que um acordo seja alcançado, o futuro do Líbano é sombrio. Em entrevista por telefone à Folha, ele previu a formação de um gabinete incapaz de governar e a continuação da ingerência síria nos assuntos libaneses.

 

FOLHA - O senhor acredita que as facções libanesas acabarão alcançando um acordo?
FRANÇOIS ZABBAL -
Cedo ou tarde, elas chegarão a um acordo capenga. A principal vantagem desse compromisso será o adiamento de uma crise ainda maior. Teremos um gabinete incapaz de governar, pois cada lado poderá barrar qualquer decisão tomada pelo outro. Será uma maquiagem para um cenário de completa imobilidade. Com isso, pelo menos, as tensões entre comunidades serão temporariamente amenizadas.

FOLHA - O senhor não acredita na possibilidade de uma nova guerra civil?
ZABBAL -
A curto prazo, não. Mas os ingredientes estão aí. É bem possível que a crise alimentada há dois ou três anos provoque algo mais grave. De qualquer maneira, os libaneses estão diante de um futuro sombrio, sem governo nem projeto nacional. Ninguém investe num país assim. Além disso, a repartição de poder que está sendo discutida vai fazer com que, três anos depois da retirada do Líbano, os sírios voltem ao país por outra via, provavelmente a dos serviços secretos e do exército.

FOLHA - A ingerência síria continuará?
ZABBAL -
O contexto no Oriente Médio tende a ficar mais calmo, por causa das eleições nos EUA. Ninguém quer problemas com o futuro presidente americano. Os sírios estão aliviados em saber que Bush não lhes causará mais problemas. Porém, no momento, eles querem apenas continuar jogando a carta do bloqueio. São eles que estão por trás do Hizbollah. Os sírios partem do princípio que, se as instituições libanesas não estão a seu favor, então elas devem ser bloqueadas. Foi isso que aconteceu há dois anos, quando os ministros do Hizbollah abandonaram o governo, paralisando o país desde então. São eles que estão tirando maior proveito dessa situação.

FOLHA - Porque os sírios estão tão interessados no Líbano?
ZABBAL -
Pouca gente vê que, na realidade, o Líbano é a extremidade ocidental de uma linha de fratura entre xiitas e sunitas que se estende até o Irã. Os protagonistas são Irã e Síria de um lado, e Arábia Saudita do outro. Reza a lenda que, após a morte do (ex-premiê Rafik) Hariri, o presidente Bashar Assad ouviu do rei saudita: "vocês ousaram matar nosso homem!". Não é só por causa do dinheiro aplicado no Líbano por intermédio do sunita Rafik Hariri que as monarquias do Golfo ficaram enfurecidas com o assassinato do ex-premiê. É também uma questão estratégica. Há uma colossal disputa de poder e influência na região. Se Hariri era o homem dos sunitas, os iranianos por sua vez acham que o Líbano não passa de uma posição avançada. Teerã considera que o Hizbollah lhe pertence. O embate entre sunitas e xiitas vai piorar, alimentando-se de confrontos e limpezas étnicas.

FOLHA - Qual a sua avaliação sobre o general Suleiman, provável futuro presidente?
ZABBAL -
Ele foi escolhido ao cargo de chefe das Forças Armadas pelos sírios. Isso já diz muita coisa.


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