São Paulo, domingo, 12 de março de 2006

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EUA

Após servir como porta-voz do regime radical afegão deposto em 2001, Sayed Hashemi causa polêmica como estudante

Ex-membro do Taleban vira aluno de Yale

LEILA SUWWAN
DE NOVA YORK

Sayed Rahmatullah Hashemi, 27, está acostumado a bombardeios. Aos quatro anos, fugiu do napalm da invasão soviética ao Afeganistão. Aos 22, dos mísseis norte-americanos em Candahar, mais uma vez se refugiando no Paquistão. Mas não estava pronto para o bombardeio midiático que iria enfrentar na sua nova vida nos EUA, estudando na prestigiosa Universidade de Yale.
Depois de cursar um semestre despercebido, foi descoberto há duas semanas pelo "New York Times" e virou "o taleban de Yale". Hashemi, de fato, foi embaixador itinerante do regime Taleban e esteve nos EUA defendendo o tratamento dispensado às mulheres, a destruição de estátuas budistas de 1500 anos e o asilo dispensado a Osama Bin Laden apenas meses antes dos atentados do 11 de Setembro. Hoje, é "aluno especial" da faculdade que educou o presidente George W. Bush.
"De certa forma eu sou a pessoa mais sortuda do mundo. Poderia ter ido parar em Guantánamo, mas acabei em Yale", disse Hashemi ao "Times".
Agora Hashemi se recusa a falar com a imprensa. Não respondeu aos contatos feitos pela Folha por meio de colegas. A universidade se recusa a intermediar contatos. Encontrado no campus pela rede de televisão conservadora Fox News, ameaçou chamar a polícia para preservar sua privacidade.
Não sem motivo. Ele é o centro de uma polêmica no campus sobre o "benefício de sua presença". Senadores questionam a concessão do seu visto. E a própria Fox dedicou horário nobre a ataques.
Da túnica e turbante à mochila e calça jeans, a trajetória de Hashemi ficou apagada no fogo cruzado. É descrito como "porta-voz do aparato terrorista" ou "amigo de Bin Laden". Yale é agressivamente criticada por excessos em seu pluralismo e liberalismo, não menos porque Hashemi seria "desqualificado" -estudou apenas até a quarta série antes de freqüentar uma madrassa islâmica.
Uma passagem do documentário "Fahrenheit 9-11", de Michael Moore, foi repetida à exaustão. Nela, o jovem e mais barbudo Hashemi, em visita oficial aos EUA em março de 2001, rebate uma ativista que o questiona sobre a violência do Taleban contras as mulheres: "Tenho pena do seu marido. Você deve dar muitas dificuldades a ele".
A Fox estimula a expulsão de Hashemi. "O "sr. Taleban" precisa ir. Yale precisa mandá-lo embora agora. Sem um certificado de um instituto de desprogramação [mental], não há lugar para ele na América", disse o comentarista John Gibson.
"Esperamos que os cursos ajudem [Hashemi] a entender o contexto amplo de conflitos mundiais", disse a Yale em comunicado. "Esperamos que os críticos reconheçam que universidades são lugares que precisam lutar para aumentar o entendimento, especialmente a respeito dos temas mais difíceis que a nação e o mundo enfrentam."
Procurada, a universidade não quis dar maiores esclarecimentos. Hashemi foi aceito em um programa especial que concede créditos universitários, mas não é aluno de graduação. Muitas faculdades de artes liberais dos EUA avaliam que experiência profissional ou de vida podem substituir estudos formais, contanto que outros requisitos sejam preenchidos. Seu visto foi concedido pelo governo do país.
Se hoje precisa se esquivar de repórteres e do debate incendiário de seus colegas sobre patrulhas ideológicas e suas supostas ligações terroristas, Hashemi era antes um aluno discreto e, segundo o "Times", grato pela oportunidade de mudar sua vida e oferecer um futuro melhor para a família -sua mulher e dois filhos vivem em Quetta, no Paquistão.
Ele mora fora do campus, janta no refeitório kosher e faz aulas como "Terrorismo: Passado, Presente e Futuro". Tenta driblar o deslocamento cultural, os coloquialismos da língua e os formalismos acadêmicos.
Desde a última vez em que esteve em Yale, há cinco anos, para defender o Taleban em um debate, argumenta que muita coisa mudou. Disse ter sido um diplomata jovem e idealista, recrutado pela chancelaria como tradutor.
Depois do exílio na infância, ingressou no Taleban com 16 anos (declarou ter 18) porque via o grupo como uma força estabilizadora depois da retirada soviética, num país destroçado pela guerra que foi parcialmente financiada pelos EUA, aliados dos mujahidin.
Subiu os escalões rapidamente e fez muitos contatos -do jornalista americano que o ajudou a chegar a Yale ao próprio Bin Laden, que viu palestrar em 1998, após os atentados da Al Qaeda às embaixadas dos EUA na África.
Hashemi conta que, já como embaixador itinerante, começou a questionar as defesas que fazia de seu governo e teve desentendimentos ao retornar da viagem aos EUA. Não passou muito tempo e as Torres Gêmeas foram destruídas. A chancelaria debandou e Hashemi fugiu para o Paquistão.
Só teve a ficha "liberada" depois de diversos interrogatórios de autoridades americanas em Cabul, em que explicou não ser associado às alas radicais do Taleban e sim ligado a ex-chanceler do regime, Wakil Ahmed Mutawakil, considerado um moderado.
O ano letivo em Yale acaba em dois meses, e Hashemi se refugiará no Paquistão esperando saber se a faculdade vai resistir às pressões e aceitar sua matrícula formal como candidato a um dos mais cobiçados diplomas universitários dos EUA.


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