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CIDADE SEM LEI
Em Bagdá, ladrões roubam incubadoras, aparelhos médicos, remédios e leitos
Civis armados protegem hospital de saqueadores
ANDREW BUNCOMBE
DO "INDEPENDENT", EM BAGDÁ
O grupo de homens jovens postados diante da entrada do hospital Al Kindi, vestindo uniformes
cirúrgicos azuis, não era formado
por médicos ou auxiliares do hospital -isso ficava claro pela arma
automática Kalashnikov que cada
um portava nas mãos.
"Somos voluntários e estamos
protegendo o hospital contra saqueadores e ladrões", disse um
deles, Hayder Daoud, um engenheiro de 30 anos com cabelos
curtos e barba de vários dias por
fazer. "As forças britânicas e americanas não querem nos proteger,
então temos que nos proteger nós
mesmos. Nenhum de nós trabalha aqui", afirmou.
À medida que Bagdá submerge
num caos sem lei, os saqueadores,
não contentes em roubar prédios
oficiais, agora se voltam contra os
hospitais, de onde carregam de
tudo, de incubadoras a aparelhos
de monitoramento cardíaco.
A porta-voz do Comitê Internacional da Cruz Vermelha (CICR),
Nada Doumani, disse ontem, em
Genebra (Suíça), que um representante do comitê na capital iraquiana disse que "é provável que
não haja mais nenhum hospital
funcionando, devido aos saques e
à falta de profissionais médicos".
A Cruz Vermelha disse que visitou o hospital Medical City, com
650 leitos, e constatou que há
muito poucos pacientes sendo
tratados. As salas de cirurgia deixaram de funcionar. "De qualquer maneira", segundo a representante do CICR, "não há mais
instrumentos cirúrgicos."
A avaliação é inexata. Vários
hospitais continuam a funcionar,
mas a situação é inegavelmente
grave. Médicos disseram que a capacidade dos hospitais está no limite. Além das vítimas da guerra,
também há ferimentos provocados pelos saques. Cerca de 25 feridos por disparos foram levados
ao hospital Al Kindi ontem de
manhã, a maioria saqueadores
atingidos por comerciantes.
Na quinta-feira, o hospital no
bairro de Fustansiriya (centro de
Bagdá) foi atacado por homens
armados que roubaram leitos e
equipamentos. O engenheiro
Daoud e seus amigos tentavam
proteger o que restara.
No hospital Al Khadasia, no distrito de Saddam City (nordeste da
capital), também havia moradores locais protegendo as instalações. Segundo um médico que pediu para não ser identificado, o
hospital está lotado. "Temos muitos pacientes no momento. Muitas pessoas não sabem o que fazer.
Aproximam-se das barreiras rápido demais e acabam levando tiros dos americanos", disse.
O cenário estava especialmente
caótico devido à chegada de um
grupo de fuzileiros navais dos
EUA que tentava distribuir remédios e equipamentos encontrados
num prédio pertencente ao partido Baath (que apoiava o regime
deposto de Saddam Hussein).
Depois de consultar o imã (líder
religioso) xiita local, os responsáveis pelo hospital decidiram aceitar os materiais. "Há muita política envolvida aqui", disse o major
David Hallahan. "Estamos tentando percorrer uma corda bamba entre a cooperação e a imposição de nossa vontade."
Outros hospitais, entre eles um
hospital infantil no distrito de
Mansur e uma maternidade, também foram saqueados.
Um jornalista relatou ter visto
um garoto que teria participado
de um saque ser espancado até a
morte por moradores locais que
decidiram fazer justiça pelas próprias mãos.
Tradução de Clara Allain
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