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São Paulo, sábado, 12 de abril de 2003

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CIDADE SEM LEI

Em Bagdá, ladrões roubam incubadoras, aparelhos médicos, remédios e leitos

Civis armados protegem hospital de saqueadores

ANDREW BUNCOMBE
DO "INDEPENDENT", EM BAGDÁ

O grupo de homens jovens postados diante da entrada do hospital Al Kindi, vestindo uniformes cirúrgicos azuis, não era formado por médicos ou auxiliares do hospital -isso ficava claro pela arma automática Kalashnikov que cada um portava nas mãos.
"Somos voluntários e estamos protegendo o hospital contra saqueadores e ladrões", disse um deles, Hayder Daoud, um engenheiro de 30 anos com cabelos curtos e barba de vários dias por fazer. "As forças britânicas e americanas não querem nos proteger, então temos que nos proteger nós mesmos. Nenhum de nós trabalha aqui", afirmou.
À medida que Bagdá submerge num caos sem lei, os saqueadores, não contentes em roubar prédios oficiais, agora se voltam contra os hospitais, de onde carregam de tudo, de incubadoras a aparelhos de monitoramento cardíaco.
A porta-voz do Comitê Internacional da Cruz Vermelha (CICR), Nada Doumani, disse ontem, em Genebra (Suíça), que um representante do comitê na capital iraquiana disse que "é provável que não haja mais nenhum hospital funcionando, devido aos saques e à falta de profissionais médicos".
A Cruz Vermelha disse que visitou o hospital Medical City, com 650 leitos, e constatou que há muito poucos pacientes sendo tratados. As salas de cirurgia deixaram de funcionar. "De qualquer maneira", segundo a representante do CICR, "não há mais instrumentos cirúrgicos."
A avaliação é inexata. Vários hospitais continuam a funcionar, mas a situação é inegavelmente grave. Médicos disseram que a capacidade dos hospitais está no limite. Além das vítimas da guerra, também há ferimentos provocados pelos saques. Cerca de 25 feridos por disparos foram levados ao hospital Al Kindi ontem de manhã, a maioria saqueadores atingidos por comerciantes.
Na quinta-feira, o hospital no bairro de Fustansiriya (centro de Bagdá) foi atacado por homens armados que roubaram leitos e equipamentos. O engenheiro Daoud e seus amigos tentavam proteger o que restara.
No hospital Al Khadasia, no distrito de Saddam City (nordeste da capital), também havia moradores locais protegendo as instalações. Segundo um médico que pediu para não ser identificado, o hospital está lotado. "Temos muitos pacientes no momento. Muitas pessoas não sabem o que fazer. Aproximam-se das barreiras rápido demais e acabam levando tiros dos americanos", disse.
O cenário estava especialmente caótico devido à chegada de um grupo de fuzileiros navais dos EUA que tentava distribuir remédios e equipamentos encontrados num prédio pertencente ao partido Baath (que apoiava o regime deposto de Saddam Hussein).
Depois de consultar o imã (líder religioso) xiita local, os responsáveis pelo hospital decidiram aceitar os materiais. "Há muita política envolvida aqui", disse o major David Hallahan. "Estamos tentando percorrer uma corda bamba entre a cooperação e a imposição de nossa vontade."
Outros hospitais, entre eles um hospital infantil no distrito de Mansur e uma maternidade, também foram saqueados.
Um jornalista relatou ter visto um garoto que teria participado de um saque ser espancado até a morte por moradores locais que decidiram fazer justiça pelas próprias mãos.


Tradução de Clara Allain


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