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São Paulo, sábado, 12 de abril de 2003

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SILÊNCIO

Falta de pistas sobre o arsenal de Saddam, um dos motivos da guerra, faz a coalizão evitar o assunto

EUA "esquecem" armas proibidas

JOÃO BATISTA NATALI
DA REPORTAGEM LOCAL

Estados Unidos e Reino Unido não se declaram frustrados por não terem ainda encontrado os supostos arsenais de armas químicas e bacteriológicas, evocados como primeiro pretexto para a ação militar contra o Iraque.
Desde quarta-feira, quando tropas dos EUA tomaram conta de Bagdá, as armas de destruição em massa são raramente evocadas pela coalizão anglo-americana.
Anteontem, em sua mensagem pela TV iraquiana, o presidente George W. Bush disse de forma bastante genérica que os objetivos da coalizão eram limitados: "poremos fim a um regime brutal, cuja agressividade e armas de destruição em massa fazem dele uma ameaça singular para o mundo".
O assunto foi indiretamente evocado, ontem, no briefing de Ari Fleischer, porta-voz da Casa Branca. Um jornalista perguntou quando Bush oficializaria a vitória norte-americana na guerra. O porta-voz respondeu que o problema estava associado aos objetivos de de desarmar o Iraque e libertar o povo iraquiano.
Como o jornalista insistisse que "desarmar" significava identificar arsenais químicos e bacteriológicos, Ari Fleischer desconversou.
O diálogo está no site da Casa Branca. Nenhuma agência de notícias considerou relevante transformá-lo em despacho. É como se os supostos arsenais de armas proibidas fossem um tema jornalístico já meio fora de moda.
Em meio ao fluxo ainda imenso de despachos sobre o Iraque, dois personagens de menor escalão tocaram ontem no assunto. O embaixador do Reino Unido na França, John Holmes, declarou-se preocupado com a possível emigração de cientistas envolvidos nos programas de material bélico do Iraque, o que permitiria que outros países produzissem armas bacteriológicas e químicas.
Por sua vez, o general britânico Adam Ingram disse que a operação de busca ainda levaria algum tempo, porque estaria na dependência de indicações a serem fornecidas por cientistas iraquianos.
Tal roteiro foi evocado ao longo da guerra por militares norte-americanos, em meio a falsas pistas sobre a localização dessas armas e a patética confusão, em Najaf, de agentes químicos com o que, em verdade, tratava-se de produto fertilizante.
O comando das operações, no Qatar, repetiu reiteradamente que as armas "poderiam" ser utilizadas quando as tropas estrangeiras penetrassem em Bagdá. Isso não ocorreu. Por três possíveis razões: Saddam e seu Estado Maior já haviam desmoronado, usar armas químicas daria aos anglo-americanos a justificativa para a guerra, ou, o que é também possível, essas armas não existiam.
A localização de máscaras iraquianas de proteção contra gases tóxicos mereceria duas interpretações. A propaganda norte-americana disse ser uma "prova" de que Saddam utilizaria tais armas. Mas a lógica também deixa aberta a hipótese de os iraquianos acharem que os EUA poderiam fazê-lo, como forma de atribuir o arsenal ao inimigo e com isso justificar a invasão do Iraque.
Na última terça-feira, o jornal inglês "The Guardian" publicou um texto de ceticismo até um pouco agressivo. Relata, por exemplo, que 12 locais altamente suspeitos já foram analisados, sem sucesso, pelas tropas anglo-americanas.
O jornal também lembra que o general Hussein Kamel, que caiu em desgraça e se exilou em 1995, disse à ONU que, sob sua supervisão, os arsenais químicos teriam sido destruídos.
Eles podem ter sido em tese refeitos, mas não há provas de que isso tenha ocorrido. Hans Blix, chefe dos inspetores da ONU, disse esta semana em entrevista ao jornal "El País", reproduzida pela Folha, que, antes da guerra, sua equipe vasculhou com cuidado todos os locais indicados pelos serviços norte-americanos de inteligência. Nada encontrou.


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