São Paulo, segunda-feira, 12 de abril de 2004

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ERA PUTIN

Yavlinsky, dirigente liberal, diz que presidente russo centraliza tanto quanto Stálin e menospreza democracia

Oligarquia atrasa a Rússia, diz opositor

MÁRCIO SENNE DE MORAES
DA REDAÇÃO

Em seu primeiro mandato, o presidente Vladimir Putin fortaleceu o sistema oligárquico. Nele não há independência da Justiça, da mídia e do Parlamento. Não há eleições livres nem controle civil dos serviços secretos. Os componentes da sociedade civil estão concentrados nas mãos de uma só pessoa, como nos tempos do ditador Joseph Stálin.
A análise é de Grigory Yavlinsky, presidente do partido Yabloko (maçã), de orientação liberal e terceiro colocado na eleição presidencial russa de 2000.
Na presidencial de março último ele não quis se candidatar por considerar o processo eleitoral injusto. Os meios de comunicação só deram destaque a Putin.
Leia a seguir trechos de sua entrevista, por e-mail, à Folha.

 

Folha - Por que o processo de democratização emperrou?
Grigory Yavlinsky -
As reformas democráticas dos anos 90 tiveram sucesso na Polônia, Hungria e República Tcheca, mas falharam na Rússia. Nesses países do Leste Europeu houve revolução democrática genuína, e velhos líderes comunistas deixaram o poder.
Na Rússia, velhos dirigentes comunistas, liderados por Boris Ieltsin, governaram por uma década de transição, em que pertenciam ao velho PC ou à KGB o presidente e sete premiês nomeados.
Fora de Moscou, ex-funcionários do PC e do governo soviético mantiveram seus postos. Convocaram os chamados "jovens reformadores", como Yegor Gaidar e Anatoly Chubais, mas os mantiveram sob seu controle.
Para eles não importava como era implementada a acumulação privada de capital. Pensavam que o mercado criaria uma estrutura política. O Kremlin criou os oligarcas com as privatizações.
As instituições necessárias para o desenvolvimento da economia de mercado não evoluem sozinhas. Nos anos 90, o cinismo, o egoísmo e os erros dos autores das reformas formaram um sistema no qual só 5% da população tiravam proveito das reformas.
Esse sistema envenenou a vida político-econômica russa. E o país pagou um preço enorme por isso. Houve duas guerras na Tchetchênia, a hiperinflação, o empobrecimento da população, a crise econômica de 1998.

Folha - O Estado de Direito russo não é, então, comparável com o modelo ocidental?
Yavlinsky -
Em seu primeiro mandato, em vez de "destruir a classe dos oligarcas", conforme havia prometido em 2000, Putin apenas a fortaleceu. Não há independência da Justiça, na mídia, no Parlamento. Não há eleições livres nem controle civil dos serviços secretos. O poder se concentra nas mãos de uma pessoa, como na época de Joseph Stálin.
A estabilidade sem a modernização da sociedade e da economia significa o apodrecimento das estruturas. Temos crescimento econômico sem desenvolvimento, já que este é ligado a questões sociais, como a saúde e a educação.
Temos crescimento como na época da URSS: tudo é baseado no petróleo e no gás natural. A única ação elogiável de Putin é a mudança de sua política externa depois do 11 de Setembro.

Folha - Quais são os problemas que Putin terá agora que resolver?
Yavlinsky -
O sistema oligárquico tem graves limitações em sua eficácia político-econômica. Ele só lida com as necessidades econômicas de 25% da população, deixando de lado os outros 75%.
A aparência de prosperidade da Rússia hoje depende do preço do petróleo, que não permanecerá tão alto para sempre. Os países consumidores buscam fontes alternativas de energia.
Putin deve desmantelar um sistema em que as 20 ou 30 maiores estruturas empresariais controlam 70% da economia. Esse sistema não é capaz de modernizar a Rússia. Se ele não for desmontado, o país perderá até o que já conseguiu fazer de positivo.
Novas leis têm de prever uma anistia para todos os crimes relacionados aos acordos de privatização da década de 90, incluindo os crimes econômico-financeiros, mas excluindo os crimes contra indivíduos. Um só imposto deveria ser cobrado de todos os que participaram das privatizações.
Em seguida leis deveriam definir regras sobre grupos de influência no Parlamento, sobre o financiamento dos partidos políticos e sobre a transparência da administração pública. Deveria-se criar uma rede de TV pública independente do Estado.
Por fim outras leis seriam introduzidas para evitar a formação de monopólios, criando um ambiente de concorrência. Esses três pacotes têm de ser aprovados simultaneamente.

Folha - Que tipo de Rússia Putin legará a seu sucessor?
Yavlinsky -
Putin tem em mente outro vetor para o desenvolvimento russo. Ele é essencialmente "derzjavinik", um termo russo que significa que o Estado está acima de tudo e que o indivíduo pode ser negligenciado. Putin quer construir uma nova "grande potência". Seu objetivo determina suas prioridades: ter novamente uma grande força militar, dobrar o PIB [total de riquezas produzidas no país] e combater a pobreza.
A democracia não está entre suas prioridades. Ele não destrói as instituições democráticas, como ocorria no tempo soviético, mas é indiferente a elas.


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