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ERA PUTIN
Yavlinsky, dirigente liberal, diz que presidente russo centraliza tanto quanto Stálin e menospreza democracia
Oligarquia atrasa a Rússia, diz opositor
MÁRCIO SENNE DE MORAES
DA REDAÇÃO
Em seu primeiro mandato, o
presidente Vladimir Putin fortaleceu o sistema oligárquico. Nele
não há independência da Justiça,
da mídia e do Parlamento. Não há
eleições livres nem controle civil
dos serviços secretos. Os componentes da sociedade civil estão
concentrados nas mãos de uma só
pessoa, como nos tempos do ditador Joseph Stálin.
A análise é de Grigory Yavlinsky, presidente do partido Yabloko (maçã), de orientação liberal e terceiro colocado na eleição
presidencial russa de 2000.
Na presidencial de março último ele não quis se candidatar por
considerar o processo eleitoral injusto. Os meios de comunicação
só deram destaque a Putin.
Leia a seguir trechos de sua entrevista, por e-mail, à Folha.
Folha - Por que o processo de democratização emperrou?
Grigory Yavlinsky - As reformas
democráticas dos anos 90 tiveram
sucesso na Polônia, Hungria e República Tcheca, mas falharam na
Rússia. Nesses países do Leste Europeu houve revolução democrática genuína, e velhos líderes comunistas deixaram o poder.
Na Rússia, velhos dirigentes comunistas, liderados por Boris Ieltsin, governaram por uma década
de transição, em que pertenciam
ao velho PC ou à KGB o presidente e sete premiês nomeados.
Fora de Moscou, ex-funcionários do PC e do governo soviético
mantiveram seus postos. Convocaram os chamados "jovens reformadores", como Yegor Gaidar
e Anatoly Chubais, mas os mantiveram sob seu controle.
Para eles não importava como
era implementada a acumulação
privada de capital. Pensavam que
o mercado criaria uma estrutura
política. O Kremlin criou os oligarcas com as privatizações.
As instituições necessárias para
o desenvolvimento da economia
de mercado não evoluem sozinhas. Nos anos 90, o cinismo, o
egoísmo e os erros dos autores
das reformas formaram um sistema no qual só 5% da população
tiravam proveito das reformas.
Esse sistema envenenou a vida
político-econômica russa. E o país
pagou um preço enorme por isso.
Houve duas guerras na Tchetchênia, a hiperinflação, o empobrecimento da população, a crise econômica de 1998.
Folha - O Estado de Direito russo
não é, então, comparável com o
modelo ocidental?
Yavlinsky - Em seu primeiro
mandato, em vez de "destruir a
classe dos oligarcas", conforme
havia prometido em 2000, Putin
apenas a fortaleceu. Não há independência da Justiça, na mídia, no
Parlamento. Não há eleições livres
nem controle civil dos serviços secretos. O poder se concentra nas
mãos de uma pessoa, como na
época de Joseph Stálin.
A estabilidade sem a modernização da sociedade e da economia
significa o apodrecimento das estruturas. Temos crescimento econômico sem desenvolvimento, já
que este é ligado a questões sociais, como a saúde e a educação.
Temos crescimento como na
época da URSS: tudo é baseado
no petróleo e no gás natural. A
única ação elogiável de Putin é a
mudança de sua política externa
depois do 11 de Setembro.
Folha - Quais são os problemas
que Putin terá agora que resolver?
Yavlinsky - O sistema oligárquico tem graves limitações em sua
eficácia político-econômica. Ele
só lida com as necessidades econômicas de 25% da população,
deixando de lado os outros 75%.
A aparência de prosperidade da
Rússia hoje depende do preço do
petróleo, que não permanecerá
tão alto para sempre. Os países
consumidores buscam fontes alternativas de energia.
Putin deve desmantelar um sistema em que as 20 ou 30 maiores
estruturas empresariais controlam 70% da economia. Esse sistema não é capaz de modernizar a
Rússia. Se ele não for desmontado, o país perderá até o que já
conseguiu fazer de positivo.
Novas leis têm de prever uma
anistia para todos os crimes relacionados aos acordos de privatização da década de 90, incluindo
os crimes econômico-financeiros,
mas excluindo os crimes contra
indivíduos. Um só imposto deveria ser cobrado de todos os que
participaram das privatizações.
Em seguida leis deveriam definir regras sobre grupos de influência no Parlamento, sobre o
financiamento dos partidos políticos e sobre a transparência da
administração pública. Deveria-se criar uma rede de TV pública
independente do Estado.
Por fim outras leis seriam introduzidas para evitar a formação de
monopólios, criando um ambiente de concorrência. Esses três pacotes têm de ser aprovados simultaneamente.
Folha - Que tipo de Rússia Putin
legará a seu sucessor?
Yavlinsky - Putin tem em mente
outro vetor para o desenvolvimento russo. Ele é essencialmente
"derzjavinik", um termo russo
que significa que o Estado está
acima de tudo e que o indivíduo
pode ser negligenciado. Putin
quer construir uma nova "grande
potência". Seu objetivo determina
suas prioridades: ter novamente
uma grande força militar, dobrar
o PIB [total de riquezas produzidas no país] e combater a pobreza.
A democracia não está entre
suas prioridades. Ele não destrói
as instituições democráticas, como ocorria no tempo soviético,
mas é indiferente a elas.
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