São Paulo, quarta-feira, 12 de abril de 2006

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ANÁLISE

Bombas "boas" e bombas "ruins"

NEWTON CARLOS
ESPECIAL PARA A FOLHA

Há bombas "ruins", como as que o Irã pretende ter, segundo a inteligência ocidental, e bombas "boas", como as da Índia, legitimadas na prática pelo acordo que o presidente George W. Bush assinou com os indianos. Foi o que disse alguém com ironia em Washington.
Categorias que tiveram maior visibilidade com a reunião, em Nova York, de diplomatas e especialistas de 182 países para ver como andava o Tratado de Não-Proliferação Nuclear (TNP). Data de 1968 e nasceu com a missão de tornar-se o principal instrumento de contenção do que a ONU considera a maior ameaça à humanidade, a vulgarização das armas de destruição em massa.
Os EUA caem em cima dos alvos de sempre, Irã, Coréia do Norte etc. É o terreno das bombas "ruins". Mas o tratado não contém somente cláusulas de bloqueio do acesso de novos países ao "seleto" clube nuclear. Com suas assinaturas as potências fundadoras se comprometeram a reduzir seus arsenais de modo gradativo, até a eliminação total.
Nada disso se cumpre. As portas do clube são violadas, com os "bons" gozando de tolerância. Não importam as leis, importa o comportamento, observou um colunista americano. As bombas pretendidas pelo Irã entram na categoria de "ruins", intoleráveis, porque os aiatolás iranianos são "desestabilizadores".
A Índia, pelo contrário, e também Israel e outros detentores ou possíveis detentores de bombas "boas", toleradas, cumprem rituais de "estabilização" com uma arquitetura desenhada sobretudo pelos EUA. Mas o perigo maior é outro, alertou um ex-secretário de Defesa dos EUA, Robert McNamara, em artigo de capa na "Foreign Policy" intitulado "Apocalypse Soon". Ou o Apocalipse que nos ronda. McNamara chama a política armamentista americana de "imoral, ilegal, militarmente desnecessária e perigosa". O arsenal nuclear (4.500 ogivas ofensivas) é mantido como o componente principal do poder militar americano.
O ilegal é o não respeito à cláusula de redução do TNP. O imoral se supõe que seja o poder conferido a uma pessoa, o presidente dos EUA, para ordenar disparos atômicos. Mas eles podem também acontecer por acidentes e esse é um dos riscos maiores, segundo McNamara.
Há tonalidades de desespero em seu artigo, a partir da convicção de que os EUA, com sua política de armamentismo atômico, constituem a idéia de um "Apocalypse Soon" e, ainda por cima, num contexto de irrelevância militar. Atacar um poder nuclear "seria suicídio". Fazê-lo contra inimigo não nuclear "seria militarmente desnecessário, moralmente repugnante e politicamente indefensável".
A B61-11, engenho nuclear da categoria arrasa-quarteirão, pode ser relacionada como prova de que os EUA desenvolvem novas armas atômicas, em desrespeito às regras do tratado de 1968. Engenhos "bons", na visão oficial americana.
Em duro artigo de condenação ao "perigoso" acordo com a Índia, o ex-presidente Jimmy Carter lembrou que nos últimos cinco anos (referência indireta ao governo Bush) os EUA abandonaram muitos dos acordos de controle de armas nucleares negociados desde os anos 50. A "legitimização", na prática, do acesso indiano ao clube das potências nucleares "é mais um passo na abertura da caixa de Pandora da proliferação nuclear". Véspera do vale-tudo nuclear.


O jornalista Newton Carlos é analista de questões internacionais

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