São Paulo, segunda-feira, 12 de abril de 2010

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ANÁLISE

Projeto dos Estados Unidos equivale a reescrever o TNP


Washington ambiciona evitar que mais países cheguem ao limiar da bomba, o que é possível ser feito em conformidade com as atuais diretrizes do tratado


CLAUDIA ANTUNES
DA SUCURSAL DO RIO

Se bem-sucedida, a pressão liderada pelos EUA para que sejam reforçados os mecanismos contra a disseminação de tecnologia atômica corresponderá, na prática, a reescrever o Tratado de Não Proliferação Nuclear.
O TNP tem hoje 189 signatários, quase todos os países-membros da ONU. Paquistão, Índia e Israel, hoje potências nucleares, nunca aderiram. A Coreia do Norte deixou o acordo para explodir sua bomba, em 2007. No entanto, ninguém crê que a ditadura ultrafechada tenha arsenal considerável, e ainda ocorrem, mesmo que a ritmo lento, negociações para sua readesão.
O TNP garante ao signatário "direito inalienável" a "desenvolver pesquisa, produção e uso da energia nuclear para fins pacíficos", sob a supervisão da AIEA (Agência Internacional de Energia Atômica).
Ao ser aplicado até o limite técnico possível, esse artigo permite que surja uma terceira categoria de países, além dos não armados e das potências reconhecidas (EUA, Rússia, China, França e Reino Unido): os que estão no limiar da bomba, com meios para produzi-la e lançá-la em pouco tempo.
Quando o TNP foi criado, em 1968, a partir de um entendimento entre os EUA e a antiga URSS -China e França, na época já armados, só viriam a firmar o tratado em 1991-, isso não era visto como problema.
Boa parte das nações com condições de explorar o átomo foi posta sob o "guarda-chuva nuclear" de um dos dois lados da Guerra Fria. Países como Alemanha, Japão, Canadá, Itália, Coreia do Sul e parte das ex-repúblicas da URSS puderam alcançar o limiar da bomba com pouco risco de que se tornassem potências efetivas.
Desde os anos 80, no entanto, o número de países com capacidade nuclear cresceu. O potencial de explodir o antigo arranjo foi mais forte no Oriente Médio, onde, na guerra entre 1980 e 1988, Iraque e Irã flertaram com a militarização de seus programas nucleares, iniciados, nos anos 70, com tecnologia da França e do Reino Unido.
O projeto iraquiano foi aniquilado, primeiro com o ataque israelense ao reator de Osirak, em 1981. Depois da Guerra do Golfo (1991), a AIEA retirou do país todo o urânio enriquecido e as centrífugas para produzi-lo. O Irã, em consequência, desacelerou a militarização.
Ao ser posto no "eixo do mal" de George W. Bush após o 11 de Setembro, o país persa mudou seus cálculos. Hoje, acredita-se que o Irã queira, também, alcançar o limiar atômico. Mas enquanto se mantiver no TNP, com os inspetores da AIEA no país, não há chances, afirmam especialistas, de que possa testar uma bomba sem ser notado.
É a possibilidade de que mais países julgados "não confiáveis" alcancem o status intermediário que o governo americano quer conter, ao anunciar que mantém a prerrogativa de atacar nuclearmente os que considere, pelos seus próprios critérios, violadores do TNP. Por isso também a ideia dos bancos multilaterais de urânio, e os acordos pelos quais aliados se comprometem a não produzir combustível atômico.
Em troca, o governo Obama oferece concessões em desarme que, na realidade, não recolocam os EUA no estágio em que estavam na era pré-Bush. A Casa Branca mantém o projeto de bases de mísseis antibalísticos, iniciado por Bush em 2002 e que tem o potencial de detonar nova corrida armamentista com a Rússia.
Obama tampouco optou, em sua nova estratégia nuclear, pela promessa de não ser o primeiro a usar a bomba, o que já foi feito por China e Índia. "As mudanças em termos de doutrina não chegam nem perto do ineditismo que a Casa Branca quer vender ou que seus críticos dizem temer", escreveu Peter Feaver, que integrou o Conselho de Segurança Nacional nos governos Clinton e Bush.


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